05/07/2017

A Metamorfose

De Franz Kafka
Ah, Franz Kafka, quem ainda não ouviu falar dele? ... Ninguém. Embora seja um dos principais nomes da literatura de todos os tempos, eu, com 19 anos na cara, ainda não tinha lido uma linha sequer (mentira, vivo vendo citações no tumblr) do que ele escreveu, e naturalmente acabei nutrindo certa curiosidade pelas obras do escritor. Dentre os títulos lançados sob o nome dele, o que mais me chamou a atenção (e aquele sobre o qual eu mais ouvi as pessoas falarem) foi Metamorfose. Por motivos óbvios de O CARA SE TRANSFORMA NUM INSETO (que todo mundo na internet insiste em dizer que é uma barata - e concordo, é o que mais se aproxima da descrição -, mas Kafka, na verdade, não deixa bem claro e explícito assim, não) e eu queria ver em que raios isso ia dar. Então Metamorfose foi o escolhido para ser o primeiro livro do autor que eu leria - levo um pouco a sério essas primeiras leituras; não MUITO, mas o suficiente pra ser minimamente significativo, sim.
Se você, confuso, está com vontade de perguntar
a mim, que li o livro, qual é o sentido dessa capa,
depois das noventa e poucas páginas de leitura
eu te digo: também não entendi, que droga é essa
qqta con tese no, comassim editora?
É um livro curtíssimo, de menos de 100 páginas, e peguei ele na sexta na biblioteca me programando para lê-lo no fim de semana, após terminar A Letra Escarlate - e, nossa, que sentimento bom é esse de saber que você vai ter dois dias quase inteiros (sempre saio no sábado e no domingo à noite) pra ficar atirada em casa só lendo/vendo séries/filmes/animes ou o que te der na telha. Mas enfim, comecei ele no sábado à tarde pra terminar no domingo, mas aí, sábado à noite, quando cheguei em casa, peguei pra dar só uma lidinha antes de dormir lá pela meia noite... E acabei com as últimas 40 páginas que faltavam. ¯\_(ツ)_/¯ Totally empty sunday.
O livro conta a breve história de Gregor Samsa, um comerciante que vive com a família (pais e uma irmã mais nova) e que é o principal provedor financeiro do lar. Ele é querido, amado, estimado, importante dentro do ciclo familiar... Até acordar uma manhã e perceber que, we don't know WHY THE FUCKING FUCK, ele virou um inseto gigante, feio, nojento e de mobilidade precária (a partir de então cada movimento que ele tenta fazer, andar, se virar, girar sobre o próprio eixo, antes tão fácil na forma humana, se torna um parto quase impossível). 
E então, de filho e irmão amado, provedor do lar, família, ele passa a ser só um inseto gigante e asqueroso que não desperta nada além do asco. E o "processo amor ---> nojo" nem se desenrola gradativamente, hein. De cara a rejeição e exclusão com que a própria família o trata passam a ser a realidade em voga e ele é completamente confinado em seu quarto para que ninguém tenha que lidar com aquela aberração enorme pegando sol na varanda, por exemplo - a irmã, a princípio, se mostra mais empática e solícita, mas nem isso dura muito. *Spoiler, sorry.*  
Então somos levados a uma sucessão de dias tormentosos em sua nova forma física, em que Kafka nos deixa visualizar, só pra ter um gostinho, como o cotidiano de uma pessoa simplória se altera quando ela, do nada, simplesmente vira um inseto gigante. =) Como passa a ser tratada e enxergada pelos demais, como tudo muda e como ela se locomove e realiza tarefas simples como dar três passos pro lado com quatro (?) perninhas a mais e uma carapaça enorme e pesada nas costas.
Gregor diz OLAR para você.
E com um final que não é dos mais legais pro Gregorzinho, o que Kafka buscava nos fazer visualizar era uma espécie de relação entre a condição de Gregor e supostos ''páreas'' de nossa sociedade; inválidos, doentes, idosos, miseráveis, viciados, deficientes etc, são todos incorporados à figura de um inseto gigante que, antes uma pessoa querida, por alguma circunstância infeliz começa a ser visto como estorvo, com nojo, desgosto e fica relegado ao alienamento, à exclusão e ao esquecimento. Soa meio familiar para você (estou pensando em certos asilos e manicômios - que já visitei - aqui)?
Eu me senti particularmente imbecil quando fiz a leitura porque, quando a terminei, fiquei com aquela cara de ??? porque realmente não tinha sacado a mensagem ÓBVIA MDS COMO FUI TÃO TONTA?! e tudo, a princípio, só me parecia a história de um cara que acorda transformado numa barata ou whatever e tenta seguir a vida daí. ¯\_(ツ)_/¯ Depois de ler um pouco sobre é que assimilei o negócio repito: ÓBVIO e fiquei me sentindo o ser humano mais tonto da face da terra, porque pra mim a leitura que é feita sem que uma mensagem que deliberadamente foi colocada lá pelo autor seja assimilada é meio fútil - não estou considerando aqui livros que, todos sabemos, servem apenas para o lazer, mas A Metamorfose realmente tinha uma mensagem a passar.
Só que aí vem uma coisa engraçada sobre Kafka e sua escrita em si, particularmente; ele conduz a narrativa de forma tão crua e isenta de dramatismos, só repassando acontecimentos e descrições com a mesma empolgação de quem descreve os buracos de uma meia velha que tem na gaveta, tudo tão preto no branco e pragmáticos que, de fato, parece que estamos só lendo a história de um cara que acorda transformado numa barata ou whatever e tenta seguir a vida daí. Chega a ser engraçado, porque você fica lá, meio pasmado com a situação PORQUE PELOAMOR O SEROMANO VIROU UM INSETO MINHA GENTE, mas o Kafka narra a coisa com um tom de ''não, tá tudo bem, tudo tranquilo, tudo beleza, ele virou um inseto e tal, mas grande coisa, deixemos pra lá, vida que segue'' e você fica meio aflito diante daquilo porque PELOAMORDEDYOS HOMEM, A CRIATURA VIROU UMA BARATA MUTANTE, VAMÔ SE ESCANDALIZAR JÁ, POR FAVOR! Mas não, tudo segue muito normal como se acordar transformado num inseto fosse a regra do dia.
Olha como o livro começa (essas são, literalmente, as primeiras linhas que lemos):

''Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto'' 

Tudo muito normal, tudo muito de boa, só mais uma manhã como todas as outras e vida que segue.
O próprio Gregor pouco se interessa pelos motivos e implicações da própria metamorfose, porque quando percebe que, olha que doido, virei um inseto mutante, seu pensamento seguinte é como vou pegar o metrô pra ir ao trabalho assim? Super invejo esse controle emocional, sério, chego a babar.
O livro, como fica claro, não envereda pelo ramo da ficção científica porque pouco se preocupa com ou se atém a questões que desenvolveriam essa vertente, e consegue a proeza de ser uma espécie de psicanálise com a premissa tão incomum que tem - um cara transformado num inseto gigante.
Mas o que mais me encantou e chamou minha atenção, antes do enredo, antes da narrativa, antes do desfecho ou do peso da obra, foi a ''metodologia'' (por falta de um apalavra mais adequada) do Kafka ao desenvolver sua escrita. Toda a proposta de sua literatura emana na maneira com que ele escreve suas histórias: Kafka se preocupava em causar desconforto, em incomodar o leitor que, sob a pressão de suas palavras escritas, era compelido a refletir sobre questões controversas e fatalistas. 

 ''Apenas deveríamos ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo?''
-Frase bem famosa do cara

O livro todo incomoda. A condição do Gregor incomoda; as descrições sobre sua nova forma nojenta, cheia de perninhas e cascas incomoda; a forma com que o Kafka narra a coisa como se não fosse nada demais incomoda; a falta de importância que o próprio protagonista relega à origem e porquês de seu martírio incomoda; a forma com que o humano/inseto gigante/mutação da natureza/aberração/ECA é tratado pelos demais incomoda... Tudo incomoda, soa inadequado e errado de um jeito e por motivos óbvios mas que são percebidos com sutileza, de maneira quase inidentificável.
É um tanto quanto genial.
Então, não sei qual é o seu sentimento ao fim dessa resenha, mas sei que o meu sentimento ao fim do livro, depois de perceber todo o propósito do autor por trás da obra e a forma com que ele nos conduziu às percepções a que chegamos, foi algo do tipo: caracaaaa, acho que preciso ler mais livrinhos desse cara pra ver como e o que mais ele teve pra falar nos livros que escreveu (parte deles foi publicada depois de sua morte (como O Processo, Carta Ao Pai e O Castelo) depois de ele ter pedido para que um amigo destruísse os manuscritos e anotações pessoais; spoiler: o amigo não destruiu e hoje você pode comprar Carta Ao Pai por 19,90 no Submarino).
Não estou iludida e, já tendo lido dúzias de resenhas em quinhentos sites e blogs diferentes sobre algumas de suas obras, me fiz ciente que, talvez, acabe achando uns livros meio intragáveis. 
Não sei. Mas veremos.
Certamente veremos.
Agora é o momento de você sair daí e ir procurar A Metamorfose, de Kafka, nas estantes; a história de Baratas VS Vida Humana que só não consegue ser melhor do que Joe e as Baratas (porque as bichanas, além de tocar o terror, cantam, dançam, usam roupa de cowboy e nada pode superar isso).
NADA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário