De H.G. Wells
Esse foi meu segundo livro do Wells, esse ser humano que
ficou marcado como um dos principais criadores da ficção científica como a
conhecemos (histórias incríveis com pitadas de um surrealismo meio real (sim) tão doido que
acaba nos convencendo, sabe-se lá como). Como eu disse em outra resenha de um
livro dele, acabei pesquisando sobre o autor e descobri que ele tem um quarteto
de livros popularmente difundidos como algumas das mais fundamentais obras dos
primórdios da ficção científica. Quando soube disso, logo botei os quatro
títulos na lista de ‘’Quero Ler’’ e A
Máquina do Tempo foi o segundo a sair dela e ir direto para a lista de
‘’Lidos’’.
Nosso personagem central, chamado O Viajante do Tempo durante o livro inteiro, conta para um grupo de
amigos e conhecidos incrédulos (depois de uma palestra em que lhes apresenta
sua grande invenção, a máquina do tempo) como foi parar na Terra no ano
[insira aqui um número de seis algarismos que eu não lembro exatamente porque não tenho memória fotográfica nem anotei, mas que é muito, muito, muito distante do nosso presente, lá num futuro longínquo e desconhecido] e o que viu e lhe ocorreu durante o período em que esteve nesse
cenário radicalmente diferente de tudo o que conhecemos.
Ao chegar ao misterioso destino de sua primeira viagem no tempo
sem saber o que esperar, o Viajante se depara com duas raças distintas que se
ramificaram a partir da espécie humana: são elas os Elois, criaturas
delicadas, diminutas, bonitinhas, inocentes e de ares angelicais e infantis que
vivem na superfície; e os Morlocks, seres soturnos,
repugnantes, degenerados e medonhos que vivem no subterrâneo, se escondendo no
escuro e amedrontando os Elois, eternamente refugiados na luz do ‘’mundo de
cima’’.
Não se sabe quanto tempo o Viajante permaneceria nesse
metamorfoseado futuro em circunstâncias normais, mas fato é que sua máquina do
tempo, deixada sobre um relvado num jardim encantador, some sem explicação
alguma, e o viajante, naturalmente, é obrigado a ficar preso naquela realidade
mirabolante até conseguir achar seu meio de transporte nada convencional para
voltar ao passado. Durante esse tempo, junto com ele, começamos a explorar
aquele cenário e as razões que fizeram a raça humana se transmutar naquelas
duas versões tão antagônicas que passaram a povoar a Terra, esta também
intensamente modificada de maneira a abrigar aqueles novos seres.
Vou parar de expor maiores detalhes sobre o enredo por aqui,
pra evitar SPOILER ALERT (embora, eu deva acrescentar, eu talvez deixe alguma coisinha meio significativa escapar nos próximos parágrafos)!!!
A linguagem do livro, como eu já disse por aqui, é um tanto
simplória, porque foi um dos primeiros (talvez O Primeiro, mas não lembro com
exatidão agora) livros do escritor; ao fim da edição que tive em mãos, há uma
nota do autor em que Wells fala sobre como, anos depois pegando aqueles
escritos, já um escritor mais experiente e versado, ele se sentiu tentado a
reescrever alguns trechos (especialmente o final, um tanto desleixado pela
pressa em entregar o manuscrito), nos quais notou uma pobreza descritiva e
faltas no enredo; mas acabou não fazendo isso, respeitando, mesmo com suas
falhas, o inexperiente escritor que fora no passado e que não deve ser anulado.
Um dos maiores defeitos do livro talvez seja a falta de
aprofundamento; quando estamos no ápice das descobertas e emoções despertadas
pela nova realidade distópica que se descortina para o Viajante, há um
retrocesso no enredo e o livro acaba. Esse resumo mais enxuto é compreensível e
até mesmo esperado, levando em conta as poucas páginas (menos de 200) do livro;
mas ainda assim essa ruptura na narrativa deixa uma lacuna.
MAS, PORÉM, TODAVIA BLABLABLA, embora esteja longe (BEM longe) de ser uma obra impecável, o trunfo do livro é um olhar
diferenciado sobre o futuro, que não segue estritamente a fórmula das distopias
de sucesso que vemos por aí. A dinâmica entre Elois e Morlocks e os processos
sociais e biológicos que fizeram com que eles se tornassem as duas raças que o
Viajante encontra são a melhor coisa do livro e de longe o que mais me fez
gostar dele ao longo daquelas breves páginas.
Por ter dado um salto enorme no tempo (não décadas, mas séculos), maior do que
normalmente vemos em obras consagradas na ficção científica (De Volta Para o Futuro, olar), o autor pôde
dispor de uma completa revolução biológica que ocorreu no DNA daquelas duas
raças e isso é fantástico. Não temos só humanos sofridos se arrastando numa
sobrevivência miserável num planeta pós-apocalíptico destruído por bombas
biológicas, não! Temos raças completamente diferentes das que conhecemos correndo
sobre a Terra.
E aí vem o ponto em que eu quero chegar: como acontece isso?
Por que espécies se transmutam em novas criaturas com características mais ou
menos desenvolvidas do que eram a princípio? Por que algumas dispõem de
habilidades que atuam como suporte biológico para a sobrevivência e que as
permitem se sobressair diante de criaturas da mesma raça? Por quê?
Por causa do Processo de Seleção Natural, o gatilho evolutivo sobre o qual Darwin falava e que aprendemos nas aulas de biologia do colégio.
A raça humana se transformou em Elois e Morlocks porque a
sobrevivência no meio em que estava inserida dependeu de sua capacidade de se
adaptar e desenvolver habilidades e características específicas que lhe
permitissem ser resiliente no cenário em que se desenvolveu. E os motivos pelos
quais ela (nós, nesse futuro louco e bizarro) precisou se adaptar são o grande
trunfo do livro. Naturalmente, falando dessa raça em específico (nozes), a
desigualdade social foi o maior gatilho para essa revolução, como não poderia
deixar de ser, porque né. A forma com que o autor inseriu isso em sua narrativa
(spoilerzinho maroto: temos uma raça para a burguesia e outra para o
proletariado; tente adivinhar qual é qual) faz o livro valer a pena, apesar de seus defeitos e falhas
gerais.
Falando assim, a impressão que devo estar passando é que as
duas raças tiveram que ser marcadas por um comportamento agressivo e de caça
que as permitisse sobreviver numa Terra apocalíptica, mas não. Basta lembrar
das características que já expus sobre os Elois. Essa visão de Wells sobre o futuro
da raça humana que se ilustra nessa raça bonitinha e simplória é outra coisa
interessante.
Os Elois, em linhas gerais, são uns incompetentes. Só que eles
nem sabem disso. Eles são criaturinhas fofinhas, ingênuas e apáticas que acham
que a vida é um arco-íris e passam seus dias colhendo margaridas, pulando e
sendo felizes, own. *-*! Eles quase morrem por qualquer coisinha porque não
sabem se defender; eles têm uma linguagem pobre porque seu intelecto foi
engessado aos poucos, resultado da falta de exigências de uma existência
preguiçosa; eles têm um porte diminuto e indefeso que não oferece ameaça alguma
a ninguém porque ter que lutar e batalhar para sobreviver não foram necessidades
que eles conheceram; eles vivem entre as ruínas de prédios que a raça humana
construiu no passado sem nem pensar em reconstruí-las porque esse tipo de
julgamento jamais precisou ser desenvolvido por eles. São uns amores, okay. Mas também são meio bostas.
Os que se transformaram em Elois, quando humanos, eram
pessoas que viviam no luxo, com todas as regalias e privilégios, sem nenhuma
grande demanda física ou mental. Eram pessoas no pico da escala social, a
burguesia. Elas tinham tudo e não precisavam fazer grande coisa para
conseguir o que queriam; tudo era fácil. Já os outros, os Morlocks, esses não.
Foram reprimidos e precisaram desenvolver características que os permitissem sobreviver ao mundo. Sobreviver diante
de uma sociedade desigual e cruel. Sobreviver.
Sendo brutos, resistentes, fisicamente fortes e enérgicos.
Entendem o cenário que o autor pintou? Entendem a
verossimilhança dele?
Por mais absurdo que pareça ser essa figura disforme e incrível
de um futuro diferente do nosso presente, não consigo deixar de sentir
um enorme receio ao conjecturar a respeito de mim mesma; não sei do que eu
teria mais medo: de me transformar numa Eloi ou numa Morlock?
Só sei que nenhuma das duas perspectivas é muito boa...
‘’É UMA LEI DA NATUREZA, DE QUE TANTAS VEZES DESCUIDAMOS: QUE A
VERSATILIDADE INTELECTUAL É A NOSSA COMPENSAÇÃO POR ENFRENTAR AS MUDANÇAS, OS
PERIGOS, OS PROBLEMAS. UM ANIMAL EM PERFEITA HARMONIA COM SEU AMBIENTE É UM
MECANISMO PERFEITO. A NATUREZA NUNCA APELA PARA A INTELIGÊNCIA SENÃO QUANDO O
HÁBITO E O INSTINTO SÃO INCAPAZES DE RESOLVER UM PROBLEMA. NÃO EXISTE
INTELIGÊNCIA ONDE NÃO EXISTE MUDANÇA OU A NECESSIDADE DE MUDANÇA. OS ÚNICOS
ANIMAIS QUE DEMONSTRAM INTELIGÊNCIA SÃO AQUELES QUE TIVERAM DE ENFRENTAR UMA
GRANDE VARIEDADE DE NECESSIDADES E PERIGOS.’’
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