Do Juan Marsé
Tirei da estante na maior inocência esperando o livro leve e
fluído que o título e a capa bonitinhos pareciam anunciar, mas fui surpreendida
por uma história política que discute ideologias implicitamente e uma
narrativa densa pra caramba, usando como catalisador o romance fugaz de um
casal de classes bem antagônicas.
Embora eu deteste espanhol (pois é), ultimamente tenho me apaixonado bastante por livros desenvolvidos nesse idioma, e essa é a língua mãe de alguns dos meus escritores favoritos. A escrita de Últimas Tardes Com Teresa, por sua vez, não foi ruim, apenas bastante diferente do que eu esperava.
Marsé tem aquele estilo meditativo e romântico que sai devaneando dentro dos
assuntos que estão sendo abordados, de modo a fazer com que tópicos a
princípio conduzidos de maneira superficial acabem cobrindo páginas e mais
páginas graças às reflexões que o escritor desenvolve através
deles. Embora eu decididamente não desgoste desse tipo de escrita (sou Uma
Criatura Melancólica Que Devaneia Muito), ela faz com que a leitura se torne um tanto
dispendiosa e complexa, exigindo plena atenção do leitor em cada parágrafo, para
que a linha de raciocínio não se perca. Por esse motivo, UTCT foi uma leitura muito mais densa e com muito menos leveza do que eu esperava.
Eles poderiam ser completos antagonistas se não fosse por um
pequeno detalhe: ambos tem um interesse especial pela vida um do outro,
por razões específicas, distintas e um tanto oportunistas, se formos parar para
pensar. Por se interessarem mutuamente, acabam desenvolvendo um relacionamento
meio capenga, e é essa relação que nos trás à mostra o que o autor queria
retratar: a contraposição de classes que, postas lado a lado, evidenciam um
contraste, quase uma antítese, impossível de ignorar.
Pijoaparte é um cara um tanto cretino, pra dizer o mínimo
com manias de grandeza que não se conforma com a própria pobreza e está constantemente
buscando oportunidades de fugir de sua vida ordinária; é numa dessas
oportunidades que ele acaba se envolvendo com Teresa, a moça bela, rica e culta
que tem tudo que ele jamais pôde ter. É por isso que ele se liga à Teresa, por
sua vontade de negar as próprias origens e experimentar o que o mundo dos ricos
pode oferecer.
Teresa, por outro lado, é uma jovem privilegiada, mas imatura,
crescendo num ambiente (o da universidade cara) povoado por ideologias,
movimentos sociais e questões políticas que ela, como a maioria de seus colegas,
pouco entende mas segue apregoando porque né, vamos tentar ser cultos aqui,
mesmo que para isso a gente precise repetir frases decoradas cujo significado, em verdade, desconhecemos.
Ela está frequentemente dentro de discussões
políticas com o grupo de amigos que tem, vai a passeatas em nome dos
desfavorecidos, milita por causas que lhe parecem justas, protesta, se revolta,
discute, luta e por aí vai. Quando ela conhece Pijoaparte, aquele cara de um universo
completamente diferente do dela, um rapaz pobre que sofre a desigualdade social
na pele todo dia, ela – tal como seus colegas e o parceiro amoroso de então - fica fascinada, porque ele é o epítome de toda
a classe pela qual ela se interessa e, a seu modo, luta, e que é totalmente diferente e nova
para ela.
E é por isso que ela se liga a Pijoaparte, pela oportunidade de tocar
esse mundo no qual ela pensa tanto e que está muito presente em suas ideologias, mas que também sempre esteve muito distante.
O que Marsé faz aqui é muito semelhante ao que John Fowles já
havia feito (de maneira melhor, na minha humilde opinião - embora eles tenham pontos
distintos e não sejam lá muito comparáveis) apenas três anos antes com outro
clássico, um dos meus favoritos, O Colecionador (LEIAM ESTA BAGAÇA, JÁ). Ambos
colocam duas personalidades opostas num mesmo plano e deixam os acontecimentos
correrem, para que vejamos a patente dualidade que há na situação. Mas O Colecionador
faz isso de maneira mais contundente e passa longe de carregar a inegável
sutileza presente em Últimas Tardes Com Teresa.
O livro, trabalhando essas questões, acaba sendo um ensaio sobre gerações
e classes que se opõem – bem diferente de toda a coisinha mamão com açúcar que
eu supus pela capa.
Embora esse talvez não seja o centro da narrativa, o que mais me
chamou atenção foi a forma com que Marsé sintetiza em Teresa e seus colegas
toda uma geração de jovens que crescem meio perdidos entre ideologias,
posicionamentos e frentes políticas/sociais distintas, sem nem saber, muitas
vezes, o que é o quê (em vários momentos em que estamos dentro da cabeça de Teresa e seus amigos, o autor deixa evidente a confusão e ignorância deles diante dos próprios comentários, que fazem meio receosos, sabendo que podem não ter muito sentido ou coerência, mas torcem pra que ninguém mais note isso), mas mantendo uma postura militante e repetindo os
mesmos discursos (ctrl + c ctrl + v) over and over again mesmo assim.
O livro foi
publicado em 1966 tendo como cenário a Espanha, mas ao lê-lo lembrei de um
conhecido falando sobre como participou de algumas passeatas de protesto que
ocorreram no Brasil em 2013, mas voltou pra casa desanimado e desiludido após
conversar com algumas pessoas e perceber que, no meio daquela multidão com o
rosto pintado e bandeiras em punho, muita gente não tinha nem ideia de por que
estava ali e estava mais ~seguindo o
fluxo~ do que qualquer outra coisa.
Enfim, são questões.
Pra concluir, digo que o livro me fez pensar, e pra mim isso sempre valida uma leitura; mas ele está longe de ser um favorito, porque acabei achando a narrativa do Marsé muito mais prolixa do que necessário, ao ponto de se tornar exaustiva. Tudo acaba sendo abordado de maneira tão densa e cansativa que isso quase põe em xeque as questões que o livro busca discutir, visto que elas acabam sendo soterradas por aquela narrativa um tanto maçante. Mas isso é a minha opinião, e deixando ela um pouco de lado, não vou desencorajar ninguém a lê-lo... Desde que você seja paciente e bem determinado.
E, REFORÇANDO, também não deixe de ler O Colecionador, pelo bem do nosso relacionamento de dona de um sitezinho tosco e leitor, capiche?
“Era até curioso: ela nunca teria imaginado que isso fosse assim, nunca havia conhecido ninguém como ele, vivendo sozinho e em luta permanente como ele, ela jamais teria imaginado que sua indigência fosse sua força, sua expressão mais firme da verdade. Pensou precipitadamente: tão pouco eu, até há pouco, acreditava estar tão sozinha e desorientada; porque as coisas não foram como pensava, como todos diziam que eram, como me ensinaram em casa e na universidade. Mas ele acaba de me convencer de que assim somos nós, e assim são as coisas, assim acontecem.”
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