15/10/2017

Últimas Tardes Com Teresa

Do Juan Marsé
Tirei da estante na maior inocência esperando o livro leve e fluído que o título e a capa bonitinhos pareciam anunciar, mas fui surpreendida por uma história política que discute ideologias implicitamente e uma narrativa densa pra caramba, usando como catalisador o romance fugaz de um casal de classes bem antagônicas.
Embora eu deteste espanhol (pois é), ultimamente tenho me apaixonado bastante por livros desenvolvidos nesse idioma, e essa é a língua mãe de alguns dos meus escritores favoritos. A escrita de Últimas Tardes Com Teresa, por sua vez, não foi ruim, apenas bastante diferente do que eu esperava. 
Marsé tem aquele estilo meditativo e romântico que sai devaneando dentro dos assuntos que estão sendo abordados, de modo a fazer com que tópicos a princípio conduzidos de maneira superficial acabem cobrindo páginas e mais páginas graças às reflexões que o escritor desenvolve através deles. Embora eu decididamente não desgoste desse tipo de escrita (sou Uma Criatura Melancólica Que Devaneia Muito), ela faz com que a leitura se torne um tanto dispendiosa e complexa, exigindo plena atenção do leitor em cada parágrafo, para que a linha de raciocínio não se perca. Por esse motivo, UTCT foi uma leitura muito mais densa e com muito menos leveza do que eu esperava.
Nessa história, conhecemos Pijoaparte (que também atende por Manolo e tem tantos apelidos que eu nem sei mais qual é o verdadeiro nome dele, desculpa aí), um rapaz inculto, nem um pouco versado nos assuntos discutidos nos grandes ciclos de conhecimento e informação, sem qualquer tipo de formação acadêmica ou profissional, e um miserável que se sustenta com o dinheiro que consegue com o roubo e desmanche de motocicletas, numa oficina que pertence a um líder de quadrilha na comunidade pobre em que ele vive; e conhecemos também Teresa, uma moça rica e da alta sociedade, que mora num casarão com empregadas (uma delas é Maruja, com quem Pijoaparte se relaciona a princípio), viaja com frequência, frequenta uma universidade cara, tem tudo que o dinheiro pode oferecer e é rodeada por amigos e colegas de classe alta, com os quais milita por causas que muitas vezes nem entendem.
Eles poderiam ser completos antagonistas se não fosse por um pequeno detalhe: ambos tem um interesse especial pela vida um do outro, por razões específicas, distintas e um tanto oportunistas, se formos parar para pensar. Por se interessarem mutuamente, acabam desenvolvendo um relacionamento meio capenga, e é essa relação que nos trás à mostra o que o autor queria retratar: a contraposição de classes que, postas lado a lado, evidenciam um contraste, quase uma antítese, impossível de ignorar.
Pijoaparte é um cara um tanto cretino, pra dizer o mínimo com manias de grandeza que não se conforma com a própria pobreza e está constantemente buscando oportunidades de fugir de sua vida ordinária; é numa dessas oportunidades que ele acaba se envolvendo com Teresa, a moça bela, rica e culta que tem tudo que ele jamais pôde ter. É por isso que ele se liga à Teresa, por sua vontade de negar as próprias origens e experimentar o que o mundo dos ricos pode oferecer.
Teresa, por outro lado, é uma jovem privilegiada, mas imatura, crescendo num ambiente (o da universidade cara) povoado por ideologias, movimentos sociais e questões políticas que ela, como a maioria de seus colegas, pouco entende mas segue apregoando porque né, vamos tentar ser cultos aqui, mesmo que para isso a gente precise repetir frases decoradas cujo significado, em verdade, desconhecemos. 
Ela está frequentemente dentro de discussões políticas com o grupo de amigos que tem, vai a passeatas em nome dos desfavorecidos, milita por causas que lhe parecem justas, protesta, se revolta, discute, luta e por aí vai. Quando ela conhece Pijoaparte, aquele cara de um universo completamente diferente do dela, um rapaz pobre que sofre a desigualdade social na pele todo dia, ela – tal como seus colegas e o parceiro amoroso de então -  fica fascinada, porque ele é o epítome de toda a classe pela qual ela se interessa e, a seu modo, luta, e que é totalmente diferente e nova para ela. 
E é por isso que ela se liga a Pijoaparte, pela oportunidade de tocar esse mundo no qual ela pensa tanto e que está muito presente em suas ideologias, mas que também sempre esteve muito distante.
O que Marsé faz aqui é muito semelhante ao que John Fowles já havia feito (de maneira melhor, na minha humilde opinião - embora eles tenham pontos distintos e não sejam lá muito comparáveis) apenas três anos antes com outro clássico, um dos meus favoritos, O Colecionador (LEIAM ESTA BAGAÇA, JÁ). Ambos colocam duas personalidades opostas num mesmo plano e deixam os acontecimentos correrem, para que vejamos a patente dualidade que há na situação. Mas O Colecionador faz isso de maneira mais contundente e passa longe de carregar a inegável sutileza presente em Últimas Tardes Com Teresa.
O livro, trabalhando essas questões, acaba sendo um ensaio sobre gerações e classes que se opõem – bem diferente de toda a coisinha mamão com açúcar que eu supus pela capa.
Embora esse talvez não seja o centro da narrativa, o que mais me chamou atenção foi a forma com que Marsé sintetiza em Teresa e seus colegas toda uma geração de jovens que crescem meio perdidos entre ideologias, posicionamentos e frentes políticas/sociais distintas, sem nem saber, muitas vezes, o que é o quê (em vários momentos em que estamos dentro da cabeça de Teresa e seus amigos, o autor deixa evidente a confusão e ignorância deles diante dos próprios comentários, que fazem meio receosos, sabendo que podem não ter muito sentido ou coerência, mas torcem pra que ninguém mais note isso), mas mantendo uma postura militante e repetindo os mesmos discursos (ctrl + c ctrl + v) over and over again mesmo assim. 
O livro foi publicado em 1966 tendo como cenário a Espanha, mas ao lê-lo lembrei de um conhecido falando sobre como participou de algumas passeatas de protesto que ocorreram no Brasil em 2013, mas voltou pra casa desanimado e desiludido após conversar com algumas pessoas e perceber que, no meio daquela multidão com o rosto pintado e bandeiras em punho, muita gente não tinha nem ideia de por que estava ali e estava mais ~seguindo o fluxo~ do que qualquer outra coisa.
Enfim, são questões.
Pra concluir, digo que o livro me fez pensar, e pra mim isso sempre valida uma leitura; mas ele está longe de ser um favorito, porque acabei achando a narrativa do Marsé muito mais prolixa do que necessário, ao ponto de se tornar exaustiva. Tudo acaba sendo abordado de maneira tão densa e cansativa que isso quase põe em xeque as questões que o livro busca discutir, visto que elas acabam sendo soterradas por aquela narrativa um tanto maçante. Mas isso é a minha opinião, e deixando ela um pouco de lado, não vou desencorajar ninguém a lê-lo... Desde que você seja paciente e bem determinado. 
E, REFORÇANDO, também não deixe de ler O Colecionador, pelo bem do nosso relacionamento de dona de um sitezinho tosco e leitor, capiche?

Era até curioso: ela nunca teria imaginado que isso fosse assim, nunca havia conhecido ninguém como ele, vivendo sozinho e em luta permanente como ele, ela jamais teria imaginado que sua indigência fosse sua força, sua expressão mais firme da verdade. Pensou precipitadamente: tão pouco eu, até há pouco, acreditava estar tão sozinha e desorientada; porque as coisas não foram como pensava, como todos diziam que eram, como me ensinaram em casa e na universidade. Mas ele acaba de me convencer de que assim somos nós, e assim são as coisas, assim acontecem.”

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