18/10/2017

A Estrada das Flores de Miral

Da Rula Jebreal 
O cenário é a região do Oriente Médio que abriga o conflito constante que ocorre entre Palestina e Israel, no qual as duas nações disputam pela dominação do território palestino, num embate que se arrasta desde o século XIX e que teve início com o movimento sionista judeu, quando esse povo migrou massivamente em direção àqueles territórios em busca da Terra Prometida. Desde então, muçulmanos (parte do povo palestino) e judeus (povo israelense) têm lutado pela soberania da região, num embate profundamente marcado pelo fanatismo e intolerância religiosos.
Com a constante repressão que Israel provoca sobre os palestinos, ao deter maior parte do controle sobre a região por meio da ocupação militar e graças a um poderio armamentista maior, muitos deles acabam conhecendo apenas esse território opressivo em que lhes é negada uma identidade, uma pátria. Acabam sendo um ‘’povo sem nação’’, expressão que aparece algumas vezes ao longo do romance. 

''[...] a ocupação militar é um monstro feroz. Ela extingue lentamente os seus sonhos, suas esperanças e até mesmo o seu futuro. E, gradualmente, muda quem você é.''

''Não quero virar um herói. É suficiente para mim ser um soldado lutando por um país que não existe, mas é meu.''

E é sobre mulheres que crescem nesse cenário e fazem parte desse povo desamparado que esse livro fala.
Toda a história gira em torno de Dar El-Tifel, um orfanato para meninas nascido da vontade de uma mulher fortíssima e à frente dos limites impostos por sua própria cultura (de costumes extremamente conservadores, principalmente se tratando de mulheres) de ajudar crianças abandonadas em meio àquele ambiente de guerra e violência. Essa mulher se chama Hind, e a partir dos primeiros capítulos em que conhecemos sua história, temos contato também com a jornada de várias outras meninas e mulheres (cada parte do livro, com exceção de uma – são cinco ao todo – leva como título o nome de uma mulher) cujos caminhos cruzam o daquela instituição que passou a ser tão importante e querida na comunidade. 
Este livro, portanto, é definitivamente um livro sobre mulheres – mulheres simples, complexas, saudáveis, doentes, esquecidas, privilegiadas, resistentes, frágeis, maltratadas, amadas, odiadas... Mas todas mulheres que escrevem a própria história.
Com uma linguagem muito simples e acessível, o livro aborda e discursa com propriedade sobre temas muito pertinentes e atuais: extremismo, intolerância, machismo, política, repressão, guerra, violência, religião e uma gama de outros tópicos, tudo tendo como pano de fundo a vida de várias meninas do orfanato, que são afetadas e crescem envoltas por todas essas questões.
Embora o livro passe quase metade das páginas alternando entre uma protagonista e outra, ele acaba culminando na história de Miral, uma moça de Dar El-Tifel que vemos crescer e perder sua inocência e ingenuidade aos poucos, ao ver a realidade de seu povo. Não demora para que ela se envolva politicamente e se torne uma militante engajada, participando de inúmeros protestos e iniciativas que constantemente colocam sua vida em risco.
Através de sua luta e motivações, vamos refletindo sobre todas essas questões e esse cenário – que é real, existe e está acontecendo agora mesmo, enquanto estou aqui digitando esse texto – vai tomando forma de maneira mais nítida em nossa cabeça, nos fazendo atentar para essa realidade que corre no outro lado do globo.
No comentário que vai no topo da capa, feito pelo(a) crítico(a) de não lembro que jornal (e a péssima resolução da foto nesse post também não ajuda a visualizar), diz-se que ''esse livro humaniza o conflito entre palestinos e israelenses''. Essa frase é perfeita e eu não poderia escolher uma sentença melhor para resumir o que encontramos entre essas páginas.
Acima de tudo, o que A Estrada das Flores de Miral faz é nos contar uma história. Não para que ela vire um best seller e encha os bolsos de uma editora, mas para que ela se torne conhecida e não seja esquecida com o tempo, jamais. Nos conta a história de pessoas reais que estão vivendo e cuja existência precisamos conhecer, porque só através da informação aquele cenário pode ser mudado.
A Estrada das Flores de Miral dá nome e rosto a inúmeros personagens de manchetes e reportagens trágicas que chegam até a nossa mídia sem quaisquer nomes e rostos. 

"[…] ainda estava abalada, como se fantasmas que até algumas horas antes existiam apenas em matérias de jornal ou relatos na televisão tivessem subitamente se materializado e assumido rostos e nomes bem definidos."

Essa história - apesar de simples, fictícia e claramente voltada ao público juvenil - atua como uma espécie de testemunho histórico do que acontece naquela região do Oriente Médio que nos parece tão distante mas que abriga trajetórias, vidas, pessoas, crianças e mulheres iguais a mim e a você.
E como é quase uma omissão nos negarmos a enxergar realidades diferentes das nossas, esse livro é importante, sim, e torço para que muitos outros como ele sejam publicados, popularizem e alcancem um número maior de pessoas.
E ele é muito bonito.
Então, bom, eu recomendo pra caramba - e arrisco dizer que você vai gostar ainda mais se for uma mulher que não se conforma com o que deve ser mudado (oi, patriarcado).

''ELA TINHA A SENSAÇÃO DE PERTENCER ÀQUELA PORÇÃO DA HUMANIDADE QUE NÃO SE RESIGNA E SE SUBMETE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS, MAS, EM VEZ DISSO, RESOLVE MUDÁ-LAS.''

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