Sabe quando você está apaixonado por alguém e faz tudo pensando nessa pessoa? Você compra uma roupa pensando em como essa pessoa vai te ver com ela; lê um livro pensando em como pode falar dele pra ela; ouve uma música pensando se ela gostaria dos mesmos acordes e o que sentiria com a melodia; senta na janela do ônibus pensando em como seria poder conversar com essa pessoa ali vendo a paisagem passar e o sol bater em vocês. Você faz as coisas mais mundanas querendo que essa pessoa estivesse te vendo, te assistindo, contigo, porque se ela te vê ela te nota, e se ela te nota talvez ela perceba que você é especial. Sabe?
Agora Essa Pessoa é minha mãe pra mim. Tudo que eu faço é pra ela.
Agora Essa Pessoa é minha mãe pra mim. Tudo que eu faço é pra ela.
Minha mãe morreu. Foram quase dois anos lutando contra um câncer agressivo demais, mal demais, cruel demais, ridículo demais e que me deixa com a certeza de que as coisas só são uma droga mesmo, é isto (ela, como todos os bons, detestaria que eu pensasse assim; mas ela também sempre era a única a me compreender todas as vezes).
Não é justo que ela morra. Não ela. Não porque era minha mãe, mas porque era ela, sabe? Ela, daquele jeitinho que não poderia acabar, não num mundo com tão pouca gente assim e nem em qualquer outro lugar.
Não é justo que ela morra. Não ela. Não porque era minha mãe, mas porque era ela, sabe? Ela, daquele jeitinho que não poderia acabar, não num mundo com tão pouca gente assim e nem em qualquer outro lugar.
Ela morreu, e desde então tem sido a pessoa pra quem eu faço tudo e que eu gostaria que estivesse do meu lado vendo cada coisinha, o café que eu fiz, a nova fofoca do trabalho, a touca que eu comprei.
Eu tinha um vestido favorito que era meu favorito porque era o vestido que eu idealizava vestir no meu primeiro encontro com o menino que eu gosto (gostava?). Ele caía bem em mim (o que é difícil, porque não sou tradicionalmente “curvada”), era de corte simples, como eu gosto, e preto, justinho e meio rodado ao mesmo tempo. A existência desse vestido servia ao propósito único de ser o vestido no qual eu queria que ele, esse menino, essa paixão, me visse. Era um pedaço de pano qualquer que não teria valor algum pra mim se olhado de uma perspectiva em que esse menino não existisse. Porque o vestido era pra ele, porque eu me arrumaria pra ele, porque era ele que eu queria que me visse naquele vestido, e não qualquer outro, ele e ninguém mais, o resto não importava e faria o vestido perder sua razão de ser.
Agora tudo que eu faço é como esse vestido, só que para a minha mãe, e assim como nunca tive esse primeiro encontro e minha irmã pulverizou a peça antes que eu pudesse vesti-la, minha mãe não está mais aqui pra ver nada disso. Tudo perde sua razão de ser, quando só é pra ela, que agora partiu.
Por que eu usaria o vestido se aquele menino nem fala mais comigo? Por que querer ser qualquer coisa mais se a mãe não vai estar aqui pra ver e se orgulhar das minhas conquistas e de quem me tornei?
Eu fui ao centro para uma consulta esses dias (escrevi isso em julho, quando o mundo tinha acabado de virar essa porcaria irremediável) e depois de sair da clínica e parar no ponto de ônibus eu pensei que talvez fosse bom ficar um pouco mais por lá antes de vir pra casa. Ver algumas pessoas, caminhar, sentir a brisa, me distrair (já venho fracassando nisso há quase quatro meses, agora). Acabei comprando uma touca, daquelas que vêm com um pompom no topo e te fazem parecer um Zé Gotinha com problemas degenerativos. Nunca usei essas toucas porque sempre que colocava uma e me olhava no espelho, pensava “você parece um Zé Gotinha com problemas degenerativos, Carolina”, mas na semana depois da morte da sua mãe você não está exatamente ligando pra estética, então fiquei 30 reais mais pobre.
Coloquei a touca numa sacola dentro da bolsa e fui a uma loja onde eu tinha visto um blusão de menino. Eu amo blusões de menino, daquele tipo enorme e pesado (sempre visualizo eles listrados, especificamente com as listras vermelhas e pretas do blusão do Freddy Krueger ???) que você só joga por cima de tudo e tá pronta pra vida.
Quando entrei no provador, vesti o blusão (o meu, já adquirido, é com listras pretas e cinzas, que eu prefiro, porque o neutro/básico me ganha primeiro), coloquei a touca e me olhei no espelho aquela saudade me assaltou e aqueles pensamentos de pessoa apaixonada vieram de novo, quando eu percebi que eu tinha amado aquele blusão e aquela touca, mas não fazia mais sentido comprá-los e ir pra casa com eles se eu não podia mais mostrá-los pra ela, a pessoa por quem sou apaixonada, a minha mãe, essa que eu queria que estivesse me assistindo.
Eu acordo e penso que queria que ela visse esse café que montei em cima do nosso fogão a lenha. Saio pra caminhar e penso que é pra ela que eu deveria poder voltar e dizer que o sol está lindo. Faço carinho no gato Gato e lembro de como ele gostava de sentar em cima das pernas dela na cama e tenho vontade de dizer pra ela que olha, ele tá aqui comigo agora, escolheu a mim, nanananá.
Eu releio esse texto agora, em novembro, meses depois do rascunho original, e choro, porque ela continua ausente.
É tudo pra ela. O amor da minha vida foi tirado de mim e sou abrigada a continuar vivendo aqui pra ele, mas sem ele, porque viver pra mim ou qualquer outra pessoa não faz sentido nenhum.
É como viver fazendo um filme que eu sei que a única pessoa que eu quero que assista nunca vai poder olhar. É como escrever um livro pra alguém que eu sei que nunca o lerá. É como tocar uma música pra alguém que eu sei que nunca a ouvirá. É despropositado, não faz sentido, é ridículo e vazio.
Eu releio esse texto agora, em novembro, meses depois do rascunho original, e choro, porque ela continua ausente.
É tudo pra ela. O amor da minha vida foi tirado de mim e sou abrigada a continuar vivendo aqui pra ele, mas sem ele, porque viver pra mim ou qualquer outra pessoa não faz sentido nenhum.
É como viver fazendo um filme que eu sei que a única pessoa que eu quero que assista nunca vai poder olhar. É como escrever um livro pra alguém que eu sei que nunca o lerá. É como tocar uma música pra alguém que eu sei que nunca a ouvirá. É despropositado, não faz sentido, é ridículo e vazio.
O mundo não faz sentido nenhum agora que eu não posso te mostrar como eu pareço um Zé Gotinha com problemas degenerativos com minha touca nova, mãe.
Oi Carolina! Posso imaginar como é difícil passar por esta situação. Mas aos poucos a dor vai diminuir e você vai ver que sua mãe continua pertinho de você. Na sua essência, no seu respirar! E que ela ficará feliz em te ver sendo feliz também! caminhando em frente!
ResponderExcluirVamos vivendo um dia depois do outro! E assim a vida melhora!
Um beijo grande pra ti! <3
Muito obrigada pelas palavras, Vanessa. São muito gentis e senti tua sinceridade. :)
ExcluirBeijo!
Carol, li teu texto agora e só queria te dar um abraço. Estranhei tua ausência no blog mas, como não somos próximas, não quis me intrometer pra saber o que houve. Sinto muito pela tua perda. Mas ó, as pessoas não morrem totalmente, elas permanecem em nós.
ResponderExcluirAbraço <3
Oiii, Mia!
ExcluirEu não estava nem aí para isso aqui neste período, né, o blog era irrelevante diante de uma situação como esta, mas me aquece o coração saber que a ausência foi notada. Muito obrigada pelo carinho.
Eu via que tu estava passando por situações parecidas pelo que tu escrevia no blog e pensava sobre como a vida estava dificultando pra nós duas, sabe. Desejo tudo de bom pra ti e pros teus. <3
Minha mãezinha tá sempre por perto numa lembrança viva e querida. ❤️
Olá, Carolina! :)
ResponderExcluirNão te conheço - na verdade, trocamos comentários no seu post sobre Joyland (fui olhar e, menina, já tem 1 ano!) primeiro e depois naquele sobre Caderno Amarelo, mas mesmo assim senti falta de atualização no blog depois do último post porque passou muito tempo. Agora eu entendo o motivo.
Vim toda animada ler o texto quando recebi um e-mail avisando que tinha post novo e chorei rios tomando o café da manhã. Mesmo agora, não tenho nem palavras pra te dizer algo. Apenas sinta um abraço e muito carinho.
Fique bem!! :|
PS: estou tentando postar esse comentário desde novembro, mas parece que nunca foi.
Andrea, que comentário mais querido, apesar de melancólico, me tocou muito. Obrigada por dividir essas palavras comigo, quando podia ter só ficado em silêncio. Foi importante pra mim saber que o texto desperta esses sentimentos, porque os meus também são muito fortes, obviamente.
ExcluirE se tu também tem um cantinho de escrita, divide comigo, por favor, tenho certeza de que vai ser um prazer te ler (pode me contatar pelo curiouscat sombrian ou outro lugar da página No Lago, lá em cima do blog). O blogger é tão arcaico e vivo lamentando como às vezes aparece gente aqui e eu não tenho como rastrear direito as pessoas que deixam um pedacinho seu pra mim também.
Beijos e abraços sinceros. ❤️
Acho que eu não sou capaz, e nem devo tentar ser, de te dizer qualquer palavra de conforto. Sempre gostei muito de te ler, e ver um texto seu falando sobre isso é algo tão pessoal que quase me sinto uma intrusa -- do bem, mas intrusa. Muita força, gosto muito de você, mesmo que de longe!
ResponderExcluirÉ muito bom ter tua companhia aqui, Tati, amo tuas “intromissões”, sinta-se sempre à vontade, rs.
ExcluirObrigada pelas palavras de carinho, de verdade, dá um quentinho no coração. ❤️
carol (se me permite te chamar de carol), acabei de ler o seu último post e me deparei com este aqui também, e meus olhos marejaram — já estou uma uma predisposição para chorar hoje, mas isso é detalhe. perder pessoas é tão dolorido...
ResponderExcluireu também perdi alguém recentemente, mas de um jeito diferente — aquele jeito em que as pessoas decidem ir embora e você pensa: “eu não acredito que isso está acontecendo. isso é ridículo”, e não há nada que se possa fazer a respeito. é exatamente a mesma sensação: todo livros, todo filme, toda coisa engraçada e quentinho de sol que eu sinto na pele eu quero poder compartilhar, mas não posso. não mais. e dói.
cada dor é uma dor, mas vim aqui dizendo que espero que você esteja sentindo a sua de forma suave e continuando a lembrar dela em momentos bonitos e de felicidade. é isso que as pessoas se tornam: uma companhia inesperada, onde quer que a gente vá.
por último, sua escrita é um acalento pros olhos e pra mente! estou feliz em poder te ler :^)
beijinhos <3
Que comentário mais precioso, e eu demorei tanto tempo pra vir aqui ler com calma e responder! Por aqui minha mãe já é uma saudade que me faz companhia diária, superando a dorzinha da perda na maioria das vezes, apesar de ela estar sempre ali no cantinho do coração. Espero que aí tu esteja bem também. <333
ExcluirEu amei muito teu blog! Uma alegria encontrar outras irmãs de escrita mantendo esses cantinhos vivos por aqui, já tenho que adicionar no meu blogroll! Um abraço! <333