15/07/2016

O Nome da Rosa

O Nome da Rosa - Umberto Eco
Achei essa maravilha de livro meio abandonado nas estantes da minha antiga escola. Não fazia ideia do que se tratava, mas já tinha ouvido o nome da obra e do autor (Umberto Eco) detectando sempre aquele tom que se usa pra falar de bons (BONS) livros. Fiz logo questão de trazer pra casa e, após meses procrastinando a leitura pra dar espaço a outras, criei vergonha na cara e comecei a ler.
E, gente, QUE LIVRO.
Nessa estória conhecemos Guilherme, um monge metido a cientista e estudioso das leis da natureza que tem uma sagacidade genial e respeitada que lhe permite resolver enigmas, mistérios e problemas de um jeito à la Sherlock Holmes (o que é bem pertinente, dado o desfecho que o livro toma) acompanhado de seu jovem aprendiz noviço, Adso, adolescente que está sob a responsabilidade de Guilherme para acompanhá-lo e aprender com ele em seus deveres enquanto seu pai resolve assuntos "administrativos religiosos" (irrelevantes para a estória) pela Itália.
Mas o monge é uma criatura requisitada e, a trabalho do imperador Ludovico, é incumbido de fazer papel de mediador entre o governo e a igreja, na época comandada pelo Papa João, rígido e decididamente rival da ordem franciscana, frente religiosa que o imperador e Guilherme defendiam e que se opunha às riquezas, luxos e esbanjamentos que haviam tomado conta de vários segmentos da liderança católica da época -entende-se a contrariedade do papa, que usou a inquisição para mandar para a fogueira todos os "hereges" franciscanos (ou não) que ameaçavam a permanência de suas riquezas.
Esse encontro entre os representantes dos dois lados, do governo e do papa, tem como local de destino uma abadia, que seria de uma neutralidade controlável para ambas as partes -é importante deixar claro que nem todos os líderes católicos eram a favor dos ideais de riqueza do Papa, o próprio abade da abadia e vários outros ocupantes eram simpatizantes da ordem franciscana, e por isso o encontro com o poder papal gerava receio, uma vez que muitos podiam ser acusados de heresia contra "a igreja", e com isso entenda-se "o pontífice".
Guilherme e Adso, então, se deslocam para a abadia para preparar o encontro que aconteceria dentro de uma semana. E é nessa abadia, amigos e amigas, que a coisa fica tensa (e empolgante).
Acontece que, não apenas para cumprir seu dever político-religioso, Guilherme também é requisitado àquele local para solucionar o mistério da morte de um monge, encontrado atirado depois de despencar do Edifício da abadia, prédio que continha a lendária biblioteca (<3), famosa por ser a que abriga a maior coleção de volumes raros e valiosos. E é bom que o caso seja solucionado antes da chegada das autoridades papais, que poderiam encarar aquele crime irresolvido como mostra de uma ameaça e possível armadilha. Dada a fama de sua sagacidade, o monge também recebe a responsabilidade de descobrir o que provocou a misteriosa morte na biblioteca, que, descobre-se, tem a ver com algum livro secreto e proibido daquelas estantes, que abriga uma verdade que não convém a muitos vir à tona.
Mas então outro monge morre. E mais outro, e mais outro. Claramente assassinados.
~Suspense~
E, quanto mais Adso e seu mestre tentam destrinchar o emaranhado de acontecimentos inexplicáveis, mais claro fica que todo o mistério gira em torno da biblioteca, seus segredos e seus ocupantes -praticamente todos os monges passavam seus dias trabalhando nela, copiando escrituras para aumentar seu acervo, desenvolvendo estudos, restaurando cópias antigas etc. E, note-se, eu disse que passavam seus >dias< pois à noite a biblioteca é trancada e vira território proibido, para que ninguém futrique em assuntos secretos dos livros.
"Não me surpreenderia que o mistério dos crimes rodasse em torno da biblioteca. Para esses homens devotados à escritura a biblioteca era ao mesmo tempo Jerusalém celeste e um mundo subterrâneo no limite entre a terra desconhecida e os infernos. Eles eram dominados pela biblioteca, por suas promessas e suas proibições. Viviam com ela, por ela e talvez contra ela, aguardando culposamente o dia de violar todos os seus segredos. Por que não deveriam arriscar a vida para satisfazer uma curiosidade de sua mente, ou matar para impedir que alguém se apropriasse de um seu bem guardado segredo?"
Entendem a magnitude da figura da biblioteca no livro? Ela é quase uma entidade com vida própria que circunda todo o enredo, despertando nossa vontade de descobrir que segredos tão importantes são esses que ela abriga. Ela é guardada e protegida, só o bibliotecário, seu ajudante e o abade (será que são só eles?) sabem seus segredos (alguns deles). O edifício foi projetado de modo a formar um verdadeiro labirinto (sério) de cinqüenta e poucas salas que confunde quem tenta entrar ali sem a ajuda do bibliotecário que conhece seus caminhos, passagens e localização de cada livro nas estantes. Além disso, há boatos sobre estranhas aparições que atormentaram alguns visitantes invasores que tentaram desbravá-la sozinhos. A biblioteca faz o livro ser leitura indispensável para aqueles leitores ávidos que já sonharam em viver dentro de uma. Ela é mágica, encanta e fascina.
E é nesse encanto que somos envolvidos junto com o jovem Adso e seu mestre Guilherme enquanto eles tentam solucionar esses mistérios de mortes, segredos e livros.
A linguagem é meio complexa às vezes, principalmente levando em conta que ela mescla o desenrolar de duas situações, a política/religiosa do relacionamento conflituoso entre o estado do imperador Ludovico e a igreja do papa João, cuja perspectiva de possível reatância envolve Guilherme, e a investigação das mortes da abadia. Por sorte Umberto Eco facilita as coisas para nós porque o narrador do livro é Adso, voltando ao passado e escrevendo anos depois, já um senhor, a história do que viveu naquela semana na abadia junto com Guilherme, quando ainda era jovem, adolescente. Então temos uma perspectiva jovem e portanto de mais fácil compreensão, o que não aconteceria se o narrador fosse o genial Guilherme.
No entanto, O Nome da Rosa não se limita a um livro investigativo ficcional, há uma crítica de Eco contra as autoridades religiosas que moldam as palavras bíblicas a seu bel prazer com a finalidade de garantir poder sobre a consciência dos simples, com seu discurso subversivo pregando que "isso pode e aquilo não pode não porque Cristo assim ensinou, mas porque assim convém à nossa autoridade" -como sabemos que acontecia na época medieval (os simples são as pessoas "normais", o público, os fiéis, segundo a linguagem do livro). Abre espaço à discussão sobre o que é ou não heresia, em que ponto uma interpretação das escrituras sagradas passa de verdade bíblica a instrumento de manipulação dos fiéis.
"-Os simples têm outros problemas. E repara, resolvem-nos todos de modo errado. Por isso tornam-se hereges.
-E por que alguns os apóiam?
-Porque servem ao seu jogo, que raramente diz respeito à fé, e mais frequentemente à conquista do poder.
-É por isso que a igreja de Roma acusa de heresia todos os seus adversários?
-É por isso, e é por isso que reconhece como ortodoxia a heresia que pode reconduzir para seu controle, ou que deve aceitar porque se tornou muito forte, e não seria bom tê-la como adversária."
Adso, jovem crescendo no meio religioso, é confrontado por essas questões, e através de seu personagem Eco também nos faz parar para refletir. O fanatismo também é posto em cheque por via de várias figuras no livro, pessoas que claramente iriam a extremos duvidosos e loucos para defender uma "verdade" subversiva a que se agarraram, quando o necessário deveria ser abrir a bíblia e mostrar onde aquilo se encontra -para então perceber que aquilo não se encontra em lugar nenhum, foi apenas fruto de uma mente fanática. Também se fala indiretamente da complicação que alguns fazem da bíblia, elevando a possibilidade de sua compreensão apenas a autoridades religiosas e teólogas, quando Cristo, em verdade, veio para os simples. Não veio a esse mundo só para falar ao papa, ao padre, ao abade, mas também à viúva, aos órfãos, aos pobres e perdidos. Aos simples. A nós. (Ó minha alma cristã dando as caras, haha.)
Além dessa reflexão, há também a sutil relação estabelecida entre ciência e religião por meio de Guilherme. Um estudioso e intelectual que também alimenta uma crença convicta em Deus. E quem disse que não pode ser assim? Muitos dizem, às vezes sem perceber. Perdi a conta das vezes em que me deparei com claras mostras de contrariedade diante da perspectiva de que eu (ou qualquer outro), cristã, posso ser inteligente também, posso gostar de física e biologia, ler sobre Newton, Mendel (que era monge, não esqueça), Einstein ou artigos científicos variados. Existe sim preconceito. Mas existe de todos os lados. Só não vê quem se nega a enxergar.
Enfim, o livro aflora muitas coisas, reflexão interior, discussão que pode se externar e, claro, o pleno gosto por uma leitura deliciosa, fascinante e recheada de trechos MARAVILHOSOS.
Recomendo? E como!
Leia O Nome da Rosa. Já.
Uma citação:
"Como é grande, disse-me então, a mais humilde beleza deste mundo, e quão agradável é para o olho da razão o considerar atentamente não os modos e os números e as ordens das coisas, tão decorosamente estabelecidas por todo o universo, mas também o desenrolar dos tempos que incessantemente se deslindam através de sucessões e quedas, marcados pela morte daquilo que nasceu."

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