Lya Luft é uma das minhas escritoras brasileiras preferidas
(e é gaúcha <3!), e todos os livros dela que li até então têm essa
característica de contemplamento dos personagens que, por alguma situação
súbita ou premeditada, se veem impelidos a olhar para a própria história e
refletir sobre os resultados e condições da própria vida. Assim acontece com
Quarto Fechado.
Eu sou tremendamente apaixonada por livros que são tecidos
para levar tanto o leitor quanto os personagens a refletir do início ao fim da
narrativa, e a Lya sempre brinda seus leitores com isso.

Camilo, no entanto, morre, e a família se reúne como
raramente fazia para velar o adolescente na casa de Mamãe. O livro todo se
passa em dois dias de velamento do corpo, o dia da morte de Camilo e o dia
seguinte, e durante esse tempo Lya nos expõem os pensamentos de cada
personagem, que melancolicamente olham para o passado e o presente se
perguntando o que fizeram da própria vida.
Renata, ex pianista que abandonou a carreira para tentar formar
uma família, acabou por perceber que isso foi um erro, pois sua ligação com a
música a chamava e não conseguia se desligar das vontades da antiga carreira
para se dedicar à família. Triste pelo abandono que relegou à própria música,
Renata se fecha em um casulo de descontentamento que aos poucos vai engolindo
sua relação com Martim e os gêmeos, que já não era nada boa. Martim,
sentindo-se fracassado pelo casamento perdido e falta de comunhão com os
filhos, que pouco entendia e até mesmo considerava estranhos, também olha para
o resultado de seus dias com insatisfação e tristeza.
‘’Envergonhava-se:
Renata fora a sua fraqueza, sua humilhação. No começo pensava ser forte, ia
ensinar-lhe a vida e conquistar aquele mundo interior dela, que o atraía tanto.
Mas fora incapaz: o que nela havia de especial era inatingível para um homem
como Martim. Por mais que a amasse, era preciso algo além disso, capacidade de
a compreender, participar. O convívio acabara num constante desconforto. Martim
sentia: ela me observa, me analisa. E me reprova.’’
Carolina, gêmea agora sem sua outra metade, é também
atingida pela necessidade de rever sua existência e relação peculiar com o
irmão morto.
É nesse cenário de incertezas, dúvidas, insatisfação,
descontentamento e tristeza da reflexão de cada personagem que somos inseridos.
A narrativa é uma vertigem alucinante do início ao fim, é incrível a maneira
como Lya consegue nos fazer envolver no enredo e sentir e entender os
personagens em tão poucas páginas -o livro tem 133 páginas, apenas, proporciona
uma leitura fluída e rápida, li-o em apenas algumas horas, à noite.
Uma coisa que encanta muito nesse livro é que Lya trabalha
os personagens de uma forma que até mesmo aqueles que a princípio parecem
simplórios e meramente secundários acabam por se revelar belos retratos da
vida. Em certo ponto do livro somos envoltos pela perspectiva de Mamãe, sua
insegurança com relação a maneira que criou os filhos, suas dificuldades no
cuidado com Ella, a filha tetraplégica, e sua triste conformidade com o
melancólico desfecho de sua vida. Clara, que também parece uma personagem
apenas coadjuvante, rouba em cena em certo momento. Mulher bonita, conhecemos a
história que a levou a ser uma pessoa de beleza notável mas que passa seus dias
fechada em casa, sem amigos ou namorados, eternamente à espera do homem que há
muito marcou sua vida e que fez de sua existência uma constante suposição do
que seria dela se ele um dia voltasse.
Outra coisa muito interessante no livro é a relação dos
gêmeos Camilo e Carolina. Perdidos entre o casamento a desfiar-se dos pais e a
falta de compreensão para com eles, os gêmeos se refugiam um no outro, buscando
cada vez mais uma igualdade e constância plena entre si, treinando para serem
um, gêmeos não apenas no nascimento, mas também na alma.
‘’Camilo e Carolina,
um estranho ser saído do seu ventre, duplo por engano, falha dela. [...] duas
plantinhas fracas que alguém amarra uma na outra para que cresçam juntas,
amparando-se.’’
Essa condição confusa entre eles é um dos fatores que
impulsionam a morte –questionável suicídio- de Camilo, que também é explorada
por Lya de um ângulo muito curioso da existência do jovem.
‘’Tivera de morrer:
não se contentava com as débeis luzes nos olhos de Carolina. Sua existência
fora atormentada: insuficiente porque só se completaria sendo também Carolina;
excessiva, porque, sendo parcialmente a irmã, acabava sentindo tudo em dobro,
vivia duplamente a sua própria experiência, e a de sua outra parte.’’
Enfim, o livro me marcou muito, certamente preciso
recomendá-lo a outros. Embora eu leve o nome de Carolina, a filha, me envolvi
de um jeito especial com
Renata, a mãe, pois tenho medo de acabar como ela.
Como assim? Renata e eu somos muito parecidas, ela é quase um retrato completo
de mim, me identifiquei muito com a personagem. Houveram MUITOS trechos que a
descreviam que tive que sublinhar porque a semelhança comigo era tanta que,
GENTE, ESSA SOU EU. Temo ser uma pessoa que leva uma carreira que acaba por
envolvê-la em demasia, tornando insustentável o resto de seu convívio social,
com família e amigos. Renata é dividida em dois pedaços: o que anseia por tocar
piano e reconduzir sua carreira, e o pedaço vazio, insatisfeito de
arrependimento e desconforto por não se encaixar na vida de mãe/esposa/amiga/companheira.
Sinto um pouco disso também, sempre senti.
Bom, para não virar psicanálise, vou terminar a resenha
dizendo que LEIA JÁ O LIVRO PORQUE É UMA LEITURA TÃO RÁPIDA E SIMPLLES QUANTO
MARAVILHOSA, e um trechinho que não pode faltar:
‘’Eu me atirei nos
braços dele para fugir da solidão e foi tudo uma fraude, ocorreu-lhe. Fugi de
mim mesma.’’ (Renata.)
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