22/10/2016

Vozes na Casa

 entendi Vozes na Casa em suas ultimas páginas. Fiquei quase o livro todo me perguntando o que a autora estava querendo dizer, e só no fim compreendi bem. Deve-se considerar a possibilidade de isso ser um ponto contra o livro, afinal de contas, pra quê ficar cerca de 180 páginas lendo algo que você não sabe bem por que está lendo? (A menos que você, antes de mim, saque a moral; mas acho que foi quase deliberação da autora fazer com que as coisas se encaminhassem paulatinamente.) Mas enfim, cada leitor, um leitor. Você escolhe.
O livro nos leva ao cotidiano de uma casa numa área mais suburbana dos arredores de Nova York, onde moram um bem sucedido advogado e sua esposa, sr. e sra. Asher, e seus empregados, Herbert, o copeiro e motorista, Bertha, a governanta, e Jéssica, filha de Bertha.
O sr. Asher, depois de uma vida movimentada com a criação dos filhos e o escritório de advocacia, anseia, enfim, por um momento de sossego para gozar da tranquila companhia de sua esposa. E agora que os três filhos estão crescidos e fora de casa e ele está próximo de sua aposentadoria, esse momento parece ter finalmente chegado.
Mas então, depois de anos recusando, Jéssica aceita se casar com Herbert, e por causa de um sutil desequilíbrio mental da moça e brutalidade do marido, os desentendimentos entre os dois começam a afetar a paz do casarão.
E como acompanhamento a esse desgosto, a filha dos Asher decide se casar com Pete, um jovem ignorante, inconseqüente e sem nenhuma instrução. Mais um incômodo a tratar.
Aos poucos as duas situações adversas para o sr. Asher começam a tomar conta de seu tempo e descanso, envolvendo todos os habitantes do casarão num desassossego contínuo e, aparentemente, interminável -para dar uma palinha do pequeno caos, vale dizer que uma investigação de homicídio e uma internação em manicômio chegam a se desenrolar.
E do início ao fim da narrativa vemos as tentativas que o sr. Asher emprega para tentar contornar a situação e instaurar sua tão desejada paz.
E no meio disso tudo, o que a autora quer que absorvamos são os antagonismos que permeiam todos os cantos da sociedade.
Na casa dos Asher vemos realidades de pessoas cujas características básicas se opõem entre si, tal como é na vida: ricos e pobres, instruídos e ignorantes, educados e brutos.
Há um sutil contraste entre esses lados avessos, que é permeado não só pela desigualdade social, como também pelo conflito de gerações que se desenvolveram nos mesmos parâmetros econômicos, vamos dizer assim; isso se nota entre o sr. e sra. Asher e os filhos.
Herbert, Jéssica e Bertha se destoam dos donos do casarão porque pertencem a uma classe social diferente da deles; mas por que também a filha do casal, que cresceu com todos os meios de que eles também desfrutaram, contra as expectativas dos pais e ao contrário do que seu grau de instrução indicaria, acaba se envolvendo com um moço ignorante, bruto e inculto? E por que o filho mais velho também "não seguiu os passos do pai" se transformando não num executivo, mas num mero pai de família? 
Porque seu crescimento se deu num mundo e sociedade que já não são mais os mesmos em que seus pais cresceram. Porque mesmo ao se desenvolverem em condições muito semelhantes umas das outras, as gerações, uma hora ou outra, se diferenciam, se opõem.
Um outro questionamento a que chegamos ao final do livro, junto com Asher e sua esposa, ao refletirem sobre Jessica, Bertha, Herbert e Pete, é sobre as fronteiras do sucesso de uns advindo de sua real capacidade intelectual, se contrapondo ao insucesso que se acomete sobre outros não por sua falta de esforço ou vontade, mas, por que não, por uma triste mas real incapacidade intrínseca a eles?
Há aqueles que vencem na vida. Por esforço e trabalho árduo? Sim. Mas também porque nasceram com inteligência e capacidade cognitiva e intelectual que lhes possibilita isso.
Pois então, sendo assim, não devem existir também aqueles que, sem terem nascido com inteligência e as mais variadas capacidades que o mundo exige de todos, estariam fadados ao fracasso -sendo ele o que a sociedade representa como tal?
Não por falta de esforço, de vontade, ou por culpa da inexistência de um sistema socioeducativo que lhes impulsione adiante. Mas porque, simplesmente, não podem. Não têm as capacidades requeridas. Porque simplesmente não são os escolhidos pela vida para ocupar o pódio dos vencedores.
E o que resta a esses, que em algum momento serão desgarrados? E o que podem fazer por eles os que têm a possibilidade de ter a vitória como seu destino certo?
O que poderia sr. Asher, um intelectual, homem instruído e culto, advogado de sucesso, que nasceu com uma inteligência e inclinação natural aos altares da vida fazer por Pete...ou Bertha...?
Tolerá-los, e oferecer seu mais sincero apoio na tentativa de elevá-los em espírito e entendimento.
Saber e reconhecer, sim, que sua intelectualidade e cognição é inferior, mas não relegá-los, espelhando-se na sociedade, a uma esfera desmerecedora e simplória. Dispor de todos os seus meios e privilégios para ajudá-los, tentar mudar a visão de vida que os condicionou à mediocridade.
O livro, como dito, baseia-se na exposição de antagonismos, e esses normalmente compõem discussões muitíssimo pertinentes; o que não gostei foi da forma com que a autora abordou a questão. A meu ver, a obra poderia ser tão mais rica e lúcida se seu assunto central fosse claramente esclarecido desde o princípio da história...mas não. Pelo menos não pra mim.
Sendo franca, embora a questão da desigualdade ocasionada pela realidade social (e portanto influenciável, passível de sofrer alterações por empreendimentos e esforços humanos) seja a mais importante aqui, o assunto que mais me fez parar pra pensar foi esse questionamento de será que, como livros de autoajuda, textos de motivação e pessoas bem intencionadas dizem, todo mundo tem mesmo condições de alcançar os próprios objetivos intelectuais e sonhos? E se eu - ou outro alguém - não posso? E se, não importa o quanto eu tente, eu não tiver condições reais de ver minhas pretensões se realizando? O que eu faço então?
Não sei. Mas o livro me fez pensar nisso.
Bom, essa resenha chega ao fim. Eu recomendo o livro? Olha...não. Me fez refletir (depois de ficar quase duzentas páginas lendo eu não sabia o quê), mas acho que há tantos outros livros que fazem isso de uma forma tão mais plena e apreciável que simplesmente não me convenço de que vale muito a pena lê-lo.
Mas, isso fica a seu encargo. Como eu disse lá em cima, cada leitor, um leitor. É você quem sabe. ;)

Uma citação:
"SonhosEram o sopro vital de toda alma humana equando morriammorria com eles a almaE se os sonhos dele jamais se houvessem transformado em vidaE se não tivesse havido essa casa e todo o amor que contiveraou se os seus sonhos houvessem excedido o poder do seu cérebro de realizá-los?"

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