Lembro de quando achei aquele livrinho misterioso, com encadernação em couro verde escuro e só um título na capa, no cantinho de uma estante da biblioteca que visito até hoje: O Diário Secreto de Laura Palmer.
Numa daquelas percepções mediúnicas que leitores têm, eu tive certeza, não sei bem como, de que ele estava abandonado ali há um tempo considerável, sem que ninguém o levasse pra casa; e soube que se eu não fizesse isso naquele dia, o coitadinho ia permanecer naquela condição, esquecido e rejeitado, por mais um bom tempo.
Então eu o escolhi, decidi que levaria pra casa e leria ele.
Não foi muito difícil, na verdade (não foi nada difícil), porque desde cedíssimo (eu tinha uns 11 ou 12 anos, na época) eu sempre fui fascinada por esses mistérios sombrios e meio mórbidos, e o que estava escrito numa contracapa (?) de cartolina dura ao fim do livro era a promessa de um mistério: Laura Palmer, garota encontrada morta nos anos 90 (corpo enrolado em plástico), em Twin Peaks, uma cidadezinha pequena com esse nome que facilmente imaginaríamos num filme da TV, lugar em queaparentemente nada acontecia. Ela era linda, angelical, popular, jovem e querida por todos na cidade; ninguém sabia que mente doentia teria cometido o assassinato. Um mistério que nunca foi solucionado, a síntese já alertava o leitor que pensasse em embarcar nas páginas do diário dela, pra que ele não pudesse reclamar da frustração de chegar ao fim daquele livro sem descobrir quem raios matou a Laura Palmer; ele já tinha sido avisado, afinal de contas.
No topo da página amarelada e opaca, claramente para que tudo ficasse mais dramático, trágico e tocasse o emocional do leitor em potencial, havia uma foto da moça - provavelmente aquele tipo de foto que adolescentes americanos tiram no baile do colégio, os pais orgulhosos (''olha que princesa linda é a nossa filha!'') emolduram e exibem em casa e depois, quem sabe, vai parar no anuário escolar.
Ela era uma loira de olhos azuis, o maior clichê das belezas; mas nela isso não caía batido ou superficial, não. Laura Palmer era mesmo muito linda.
Realmente, só um doente mataria uma moça assim.
Eu fiquei fascinada por toda aquela aura sombria que cobria o livro, e levei correndo pra casa, de um jeito meio receoso e escondido, porque parecia meio errado querer ler sobre uma coisa tão soturna assim.
Lia meio escondido dos meus pais porque, sei lá, talvez eles não fossem achar a melhor ideia do mundo saber que a filha (também loira AH MEU DEOS É UM SINAL) está tendo acesso aos pensamentos secretos (tão secretos quanto algo que é publicado internacionalmente consegue ser, claro) e perturbados (BEM perturbados) de uma adolescente assassinada ninguém sabe como, ninguém sabe por quê. É melhor eu esconder pra eles não recearem, né? Bobagenzinha, coisa pouca.
Mas quanto mais eu me aprofundava (coisa que aconteceu numa progressão rápida) no universo descrito nas palavras da Laura Palmer, mais determinada a esconder aquela leitura de todo mundo eu ficava. A menina era mesmo perturbada.
Com aqueles 11, 12 anos na cara, caí numa história cheia de drogas, sexo, violência, brutalidade e mais drogas e sexo. Definitivamente não era o tipo de coisa que minha mãe gostaria de saber que eu estava lendo (e com os anos os desgraçamentos literários só foram se intesificando, mas ok, isso é outra história...), então a experiência de ler o Diário da moça assassinada se tornou cada vez mais um ritual secreto e proibido - que eu adorava.
Laura, para a família e boa parte dos conhecidos, era o arquétipo de moça perfeitinha e bem comportada: estudava, ficava horas cuidando do seu cavalo de estimação, estava sempre envolvida em atividades comunitárias, ia à igreja...; para um grupo seleto de pessoas - poucas das quais efetivamente frequentavam o ''lado bom'' de sua vida e eram, portanto, desconhecidas pelos pais e amigos do seu ciclo social de adolescente exemplar -, no entanto, era uma desvairada, uma perdida, uma louca (querendo muito acrescentar uma ''feiticeira, ela é demais'' (tem que ler cantando, se não não vale) aqui, mas sigo firme #SQN) que se tocava em rotinas vertiginosas e perigosas pra desafiar a vida, a wild girl, como alguns amiguinhos do lado negro da força diziam: se mutilava escondida no banheiro quando todos estavam dormindo, transava com dois caras completamente desconhecidos ao mesmo tempo num lago no meio da floresta (quem nunca, não é mesmo?)(frase deixada para a minha mãe, se por ventura você estiver aí lendo, mãe: eu nunca) numa noite e fumava duas carreiras de maconha na outra, dividia seu tempo com a turma do namorado delinquente, ia a festas em que todo e qualquer tipo de atividade ilícita era regra e a lista de desvairamentos só cresce.
Além disso, tinha graves problemas psiquiátricos: Laura era atormentada pela imagem de um homem chamado BOB, que a levava a fazer coisas ruins, invadia seu sono e lhe provocava pesadelos, falava com ela quando ela se via sozinha e inclusive chegava a invadir seu diário, escrevendo através da mão de Laura. Só ela sabia da existência de BOB - fosse ele uma alucinação ou não.
Descobrimos todas essas coisas unicamente através da própria Laura, narradora única do livro da sua vida, o diário secreto. Lemos tudo que ela escreveu sabendo que, enquanto vamos de uma página a outra, Laura já está morta embaixo da terra há muito tempo, e isso nos sensibiliza.
Apesar disso, os personagens quase fizeram valer a pena, porque eles são incríveis. São cheios de peculiaridades, traços interessantes e costumes e personalidades que fogem da regra geral e chamam a atenção; como a mulher que carrega um tronco no colo pra cima e pra baixo e diz que ele transmite mensagens do além, o agente Cooper (que homem) que sempre começa as cenas filosofando sobre a vida com seu gravador, a Nadine que é meio louca e usa um tapa olho porque por acidente levou um tiro do marido, o policial Andy que é sensível e sempre chora nas cenas de crime e a química engraçada que ele tem com a Lucy, a secretária da delegacia de voz infantil. Eles são todos muito bem construídos e cheios de peculiaridades, nenhum passa despercebido.
O humor da série também conseguiu me conquistar; é um humor meio mórbido que não parece batido ou vulgar mesmo quando escancarado, sabe? Recheado de ironia. Conseguiu me arrancar bons ENGASGOS, haha.
Numa daquelas percepções mediúnicas que leitores têm, eu tive certeza, não sei bem como, de que ele estava abandonado ali há um tempo considerável, sem que ninguém o levasse pra casa; e soube que se eu não fizesse isso naquele dia, o coitadinho ia permanecer naquela condição, esquecido e rejeitado, por mais um bom tempo.
Então eu o escolhi, decidi que levaria pra casa e leria ele.
Não foi muito difícil, na verdade (não foi nada difícil), porque desde cedíssimo (eu tinha uns 11 ou 12 anos, na época) eu sempre fui fascinada por esses mistérios sombrios e meio mórbidos, e o que estava escrito numa contracapa (?) de cartolina dura ao fim do livro era a promessa de um mistério: Laura Palmer, garota encontrada morta nos anos 90 (corpo enrolado em plástico), em Twin Peaks, uma cidadezinha pequena com esse nome que facilmente imaginaríamos num filme da TV, lugar em que
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Laura Perturbadinha Palmer da Silva |
Ela era uma loira de olhos azuis, o maior clichê das belezas; mas nela isso não caía batido ou superficial, não. Laura Palmer era mesmo muito linda.
Realmente, só um doente mataria uma moça assim.
Eu fiquei fascinada por toda aquela aura sombria que cobria o livro, e levei correndo pra casa, de um jeito meio receoso e escondido, porque parecia meio errado querer ler sobre uma coisa tão soturna assim.
Lia meio escondido dos meus pais porque, sei lá, talvez eles não fossem achar a melhor ideia do mundo saber que a filha (também loira AH MEU DEOS É UM SINAL) está tendo acesso aos pensamentos secretos (tão secretos quanto algo que é publicado internacionalmente consegue ser, claro) e perturbados (BEM perturbados) de uma adolescente assassinada ninguém sabe como, ninguém sabe por quê. É melhor eu esconder pra eles não recearem, né? Bobagenzinha, coisa pouca.
Mas quanto mais eu me aprofundava (coisa que aconteceu numa progressão rápida) no universo descrito nas palavras da Laura Palmer, mais determinada a esconder aquela leitura de todo mundo eu ficava. A menina era mesmo perturbada.
Com aqueles 11, 12 anos na cara, caí numa história cheia de drogas, sexo, violência, brutalidade e mais drogas e sexo. Definitivamente não era o tipo de coisa que minha mãe gostaria de saber que eu estava lendo (e com os anos os desgraçamentos literários só foram se intesificando, mas ok, isso é outra história...), então a experiência de ler o Diário da moça assassinada se tornou cada vez mais um ritual secreto e proibido - que eu adorava.
Laura, para a família e boa parte dos conhecidos, era o arquétipo de moça perfeitinha e bem comportada: estudava, ficava horas cuidando do seu cavalo de estimação, estava sempre envolvida em atividades comunitárias, ia à igreja...; para um grupo seleto de pessoas - poucas das quais efetivamente frequentavam o ''lado bom'' de sua vida e eram, portanto, desconhecidas pelos pais e amigos do seu ciclo social de adolescente exemplar -, no entanto, era uma desvairada, uma perdida, uma louca (querendo muito acrescentar uma ''feiticeira, ela é demais'' (tem que ler cantando, se não não vale) aqui, mas sigo firme #SQN) que se tocava em rotinas vertiginosas e perigosas pra desafiar a vida, a wild girl, como alguns amiguinhos do lado negro da força diziam: se mutilava escondida no banheiro quando todos estavam dormindo, transava com dois caras completamente desconhecidos ao mesmo tempo num lago no meio da floresta (quem nunca, não é mesmo?)(frase deixada para a minha mãe, se por ventura você estiver aí lendo, mãe: eu nunca) numa noite e fumava duas carreiras de maconha na outra, dividia seu tempo com a turma do namorado delinquente, ia a festas em que todo e qualquer tipo de atividade ilícita era regra e a lista de desvairamentos só cresce.
Além disso, tinha graves problemas psiquiátricos: Laura era atormentada pela imagem de um homem chamado BOB, que a levava a fazer coisas ruins, invadia seu sono e lhe provocava pesadelos, falava com ela quando ela se via sozinha e inclusive chegava a invadir seu diário, escrevendo através da mão de Laura. Só ela sabia da existência de BOB - fosse ele uma alucinação ou não.
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Eu lendo os trechos do diário em que Laura falava sobre o BOB. |
Enfim, Laura Palmer era uma garota com problemas. Uma garota com problemas cuja história eu conheci na pré-adolescência e que me acompanhou (nunca deixei de pensar em quem teria matado Laura Palmer) durante toda a adolescência. Eu tinha dó da Laura, tadinha. Era bem doida das ideias mas poxa, ela também tinha muitos problemas e precisava de ajuda, foi triste ela ter morrido (assassinada!) sem poder cuidar de si mesma e sair da foça em que caiu desde que a desgraça do BOB (seja lá o que for) começou a persegui-la no início da adolescência. E quem é que matou ela, afinal, caramba?! Será que foi mesmo o BOB? Desgraçado...
Eu estava andando na rua com uns 13 anos e lembrava da Laura Palmer; eu estava fazendo uma batida de banana com 15 anos e pensava que putz, quem matou a Laura?; eu estava no ônibus indo ao centro com 17 e lembrava que anos antes de eu ter nascido uma menina loira como eu tinha sido assassinada por ninguém sabe quem e tinha sido jogada num rio em Twin Peaks, enrolada nua num pedaço de plástico; eu estava passando esmalte com 18, ano passado, e pensava coitada da Laura Palmer.
Laura foi uma presença constante na minha adolescência; eu podia passar semanas sem pensar nela, mas ela continuava lá, num cantinho da minha mente, pronta pra surgir do mais absoluto nada me provocando compaixão e abatimento quando eu menos esperava.
Enfim, eu passei a adolescência inteira com dó da Laura Palmer. Desde que li seu diário secreto perturbador, quase uma década atrás.
Laura foi uma presença constante na minha adolescência; eu podia passar semanas sem pensar nela, mas ela continuava lá, num cantinho da minha mente, pronta pra surgir do mais absoluto nada me provocando compaixão e abatimento quando eu menos esperava.
Enfim, eu passei a adolescência inteira com dó da Laura Palmer. Desde que li seu diário secreto perturbador, quase uma década atrás.
Passei quase uma vida com dó dela... Até esse ano.
Chegou o fatídico 2017, quando eu finalmente deixei de ficar continuamente com pena da Laura.
Acontece que aquele livrinho maldito foi propositalmente formatado para que o leitor realmente achasse que uma Laura Palmer foi morta em Twin Peaks nos anos 90, por alguém que permanece incólume até hoje; mas não. Laura nunca existiu de verdade, nunca passou de uma personagem de um seriado televisivo americano (eu sabia que o nome Twin Peaks tinha cara de TV...), que durou duas temporadas e marcou uma geração... Uma geração da qual eu não fiz parte, coisa que fez com que toda a minha ilusão perdurasse, porque eu não conhecia a história.
A Laura da série é a menina quase inteiramente recatada e do lar (embora essa máscara vá caindo aos poucos) de que falei, e apenas quem lê o diário descobre toda a sua outra faceta perturbada e wild girl.
Chegou o fatídico 2017, quando eu finalmente deixei de ficar continuamente com pena da Laura.
Acontece que aquele livrinho maldito foi propositalmente formatado para que o leitor realmente achasse que uma Laura Palmer foi morta em Twin Peaks nos anos 90, por alguém que permanece incólume até hoje; mas não. Laura nunca existiu de verdade, nunca passou de uma personagem de um seriado televisivo americano (eu sabia que o nome Twin Peaks tinha cara de TV...), que durou duas temporadas e marcou uma geração... Uma geração da qual eu não fiz parte, coisa que fez com que toda a minha ilusão perdurasse, porque eu não conhecia a história.
A Laura da série é a menina quase inteiramente recatada e do lar (embora essa máscara vá caindo aos poucos) de que falei, e apenas quem lê o diário descobre toda a sua outra faceta perturbada e wild girl.
A série foi dirigida por David Lynch e Mark Frost e foi um sucesso instantâneo e emblemático; todo mundo que tinha uma TV nos anos 90 já chegou a fazer a fatídica pergunta que me perturbou até esse ano: quem matou Laura Palmer?
Como a série foi AQUELE marco televisivo, surgiu a ideia de que o projeto se estendesse para o meio literário, na forma do Diário Secreto da Laura, que aparece no enredo da tela. Quem o escreveu não foi nenhuma Laura que esteve nos meus pensamentos e na minha listinha de #LUTO na adolescência, e sim Jennifer Lynch, ninguém mais, ninguém menos que a filha do próprio David Fucking Lynch. Aquele assassinato que me tocou praticamente desde a infância não era nada mais que um complemento para o seriado.
SÓ QUE NÃO HAVIA UMA ÚNICA MÍSERA INDICAÇÃO DE QUE AQUELA DESGRAÇA DAQUELA HISTÓRIA É INTEIRAMENTE FICCTÍCIA NA DROGA DO MALDITO DIÁRIO DO CAPYROTO.
E EU PASSEI A PORCARIA DA MINHA PRÉ-ADOLESCÊNCIA INTEIRA (QUE JÁ NÃO TERIA SIDO MUTO AGRADÁVEL SEM ISSO) ME COMPADECENDO PELO FIM TRÁGICO DA LAURA E ME PERGUNTANDO QUEM RAIOS MATOU A CRIATURA, SEM NUNCA SABER, PORQUE AQUELA HISTÓRIA COM O BOB ME DEIXOU O TEMPO INTEIRO COM CARA DE QQQQQQQ?????????
Tem alguns momentos da vida que eu gostaria que estivessem gravados e armazenados num HD do universo que eu pudesse acessar com meu computador, baixar em arquivo, abrir e assistir. Queria que a minha cara quando descobri sobre A Verdade de Laura Palmer estivesse guardada num desses arquivos. Queria poder assistir e ver minha expressão de completo embasbacamento na hora em que vi a coisa toda. Certamente foi hilário - depois do drama carregado por uma pré-adolescência inteira, né.
SÓ QUE NÃO HAVIA UMA ÚNICA MÍSERA INDICAÇÃO DE QUE AQUELA DESGRAÇA DAQUELA HISTÓRIA É INTEIRAMENTE FICCTÍCIA NA DROGA DO MALDITO DIÁRIO DO CAPYROTO.
E EU PASSEI A PORCARIA DA MINHA PRÉ-ADOLESCÊNCIA INTEIRA (QUE JÁ NÃO TERIA SIDO MUTO AGRADÁVEL SEM ISSO) ME COMPADECENDO PELO FIM TRÁGICO DA LAURA E ME PERGUNTANDO QUEM RAIOS MATOU A CRIATURA, SEM NUNCA SABER, PORQUE AQUELA HISTÓRIA COM O BOB ME DEIXOU O TEMPO INTEIRO COM CARA DE QQQQQQQ?????????
*FEELINGS INTENSOS*
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Laura claramente rindo da minha cara. (Cena da série) |
Aí você se pergunta como a GÊNIA aqui nunca descobriu, até mês passado, que tudo não passava de ficção. Eu te respondo (ou tento): a) nunca perguntei pra ninguém porque né, #SEGREDO e b) aqui em casa fomos a última família da cidade a ter computador e internet, porque obviamente fomos sempre atrasados nesse negócio chamado ~vida em sociedade~ (só fui ter um smartphone com 17 anos e eu e meus irmãos nunca soubemos o que era ter um videogame mais atual que um play 1 doado usadíssimo e surrado) e esse tipo de exclusão demorou pra deixar de ser uma regra aqui. Na época em que li o diário da Laurinha, nem sonhava em ter um PC em casa e mal sabia o que era google (tempos difíceis); então, por mais curiosa que eu tenha ficado sobre a história da bendita, não pude pesquisar pra tentar descobrir algo a mais. E quando pesquisei, anos depois (ces vejam como a coisa me perseguia), digitei só O Diário Secreto de Laura Palmer e não Twink Peaks, o nome da série, porque obviamente eu desconhecia sua existência. Não me perguntem como (acho que foi o deabo), mas tendo pesquisado apenas o título do livro, eu não cheguei a nenhum artigo (talvez porque era ~inexperiente~ nesse negócio de mexer na internet) que falasse que era uma ficção, e só li o que já conhecia por intermédio daquela sinopse pobre no fim do livro: ''o mistério da menina assassinada em Twin Peaks nos anos 90''. Vi que uma série havia sido feita em torno de todo o processo de investigação do crime, sim, MAS NÃO QUE O LIVRO TINHA SIDO BASEADO NA DESGRAÇA E AMBOS ERAM FICTÍCIOS.
Mas ok, a Carolina de anos atrás fez uma notinha mental pra assistir a série quando conseguisse (Netflix? Não existia) e era isso, a vida continuou e ela seguiu o baile. Esse ano, porém, estando na ressaca de ter assistido às oito temporadas de House e depois de ler algumas menções à série Twink Peaks, resolvi que já era hora de saber mais sobre a pobre Laura Palmer que morreu e ninguém soube por quê. Joguei o nome do seriado no Google pra pesquisar o número de temporadas e episódios e já fui dar uma lidinha básica nas informações de enredo. Comecei a ler e...
...
...
...
Eu não conseguia acreditar. Tava deitada na cama, com a cabeça encostada no travesseiro e segurando o celular na mão quando li. Levantei num pulo só e me ajeitei sentando na cama e aproximando minha cara da tela do celular porque não pode ser EU. NÃO. ACEITO. TAMANHA. BLASFÊMIA.
Fiquei embasbacada com cara de tacho encarando a tela, de boca aberta e olhar aturdido por uns bons cinco minutos, sem saber digerir a informação de que vivi quase uma década nessa mentira. Meu universo saiu dos eixos, deu três pulos e quatro voltinhas, riu da minha cara e tentou voltar pro seu lugar de equilíbrio normal, enquanto eu tentava conceber um mundo em que Laura Palmer nunca existiu de verdade e nunca foi assassinada.
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Tentando entender a vida depois de saber da irrealidade de Laura Palmer. |
Nem sei se fiquei aliviada ou com raiva, mas sei que tudo soa muito cômico de um jeito surreal pra mim agora. Já passei do momento de estupefação para os momentos em que dou uma risada engasgada quando penso na mangolice toda que eu consegui protagonizar.
Pode-se dizer que o mito Laura Palmer foi para mim como o Papai Noel o é para muitas crianças. Só que não tive o conforto de anos de infância achando que o mundo é um lugar melhor porque um velhinho bondoso desce pelas chaminés no natal destribuindo presentes para as crianças do mundo. Em vez disso, eu pensava que minha nossa, alguém matou e torturou a Laura anos atrás e essa criatura ainda tá solta por aí.
Engraçado como esse tipo de desgraçamento mental me perseguiu desde cedo. E claro que eu tenho que rir muito disso, ontem, hoje, amanhã e pra sempre.
*'*'*
Mas enfim, eu vi a série? Sim, eu vi a série. E detestei a série.
O ritmo é muito devagar, e embora seja interessante observar essa discrepância entre as produções de antigamente e de hoje em dia (uma cena que em Twin Peaks dura cinco minutos duraria 30 segundos numa produção mais atual), a lentidão me incomodou demais. O roteiro também acabou ficando muito confuso, desconexo, perdido e WHAAAT? Quer dizer, Lynch e Frost começaram ela com a ideia de que o assassinato só fosse o meio introdutório, pra depois o enredo girar apenas em torno dos habitantes da cidade, seus segredos, mistérios e peculiaridades. Eles nem planejavam revelar quem assassinou a Laura. Mas claro que os fãs ficaram doidos e mandaram cartas (ai, ai, anos 90...) pra emissora exigindo um desfecho porque PELOAMOR QUEM MATOU A DESGRAÇA? Lynch e Frost ouviram e o(a) assassino(a) foi revelado(a) no meio da segunda temporada (EU DESCOBRI QUEM MATOU A LAURA AI MEU SENHOR QUE EMOÇÃO VER ESSE DIA CHEGAR NA MINHA VIDA MILAGRES ACONTECEM). Depois disso, foi difícil segurar a audiência porque esse era o foco principal de atenção do público e o ritmo descambou geral.
Não conseguiu me prender e foi com MUITA força de vontade que assisti a toda ela, porque a cada segundo eu pensava em largar de mão e não tava mais aguentando. Mas eu tenho TOC com coisas inacabadas e sabia que ia terminar vendo mesmo, então...
Eu também não tenho saco pra essas coisas ''conceituais'' e olha que revolucionário e transgressor, mas que não fazem sentido nenhum, e a série acaba indo por esse caminho. O último episódio é a coisa mais WTF que já vi na minha vida. Pode ser poético, artístico, estiloso e hipster? Pode. Mas NÃO FAZ SENTIDO então não sou obrigada a gostar.

O humor da série também conseguiu me conquistar; é um humor meio mórbido que não parece batido ou vulgar mesmo quando escancarado, sabe? Recheado de ironia. Conseguiu me arrancar bons ENGASGOS, haha.
Outra coisa muito característica da série é sua trilha sonora. Percebe-se com naturalidade que ela foi especialmente pensada para dar vida àquelas cenas, e foi um trabalho de mestre encaixar com tamanha maestria os efeitos sonoros a todo o ambiente da série. Nunca vou esquecer as músicas de Twin Peaks e a forma com que elas complementam o visual com perfeição.
E as mulheres! Elas têm bastante espaço na série e isso é bem curioso, levando em conta os tempos difíceis em que o machismo imperava em todas as mídias e havia pouca representação feminina. Audrey Horne (lindérrima, pesquisem), por exemplo, que começa parecendo ser mais uma típica guria bonita e fútil, acaba galgando uma trajetória de heroína na série.
Apesar de não ter gostado (nem em um milhão de anos pretendo rever) da série, não me arrependo de tê-la assistido, porque ela foi um marco na televisão, uma febre entre o público, foi icônica e revolucionou toda a maneira de produzir séries televisivas desde então. Eu gosto desse tipo de agente histórico que atua midiaticamente, sabe?, então eu sei que uma hora ou outra eu ia acabar me obrigando a assistir Twink Peaks.
Eu recomendo? Olha, só se você se interessa pelas influências e referências televisivas que construíram a indústria cinematográfica de hoje. Ou quer conhecer personagens pitorescos. Ou gosta de uma trilha sonora diferenciada. Se não, não, não recomendo (desculpa quem é fã). Mas também não me arrependo.
E, claro, se assistir VOCÊ VAI PODER DESCOBRIR QUEM MATOU A CRIATURA E EU NÃO CANSO DE FALAR ISSO EM MAIÚSCULAS MESMO PORQUE É MUITA EMOÇÃO PRA MIM SOCORRO.
Enfim, percebe-se que meus sentimentos pela série são meio conflituosos e incoerentes: eu detestei por vários motivos (ritmo, roteiro, conclusão...), mas vou guardar ela na memória com carinho por muitos outros (personagens, trilha, humor negro...).
Mas, seja como for, gostando ou não, pelo menos agora não vou passar também toda a minha posteridade com dó da Laura Palmer.
Mas, seja como for, gostando ou não, pelo menos agora não vou passar também toda a minha posteridade com dó da Laura Palmer.
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