Da Patricia Highsmith
É menos um livro sobre a dinâmica prisional e os percalços que um detento enfrenta em seu dia a dia no cárcere e mais um livro sobre os danos que a estrutura falida que sabemos imperar nesse tipo de instituição causa ao psicológico dos condenados a passar por esse sistema - e, consequentemente, a maneira com que isso reflete na vida do preso inserido de volta em sociedade e na vida daqueles que o cercam.
Depois de cumprir sua pena e estar em liberdade, vemos aos poucos Carter se perder num mar de indiferença que toma conta de seu interior, submergindo-o gradativamente em decisões erráticas que vão de mal a pior. Carter, tendo vivido seis anos num ambiente em que a brutalidade e a selvageria são a regra em voga, perde o tato, noções nítidas de empatia e, principalmente, perde a força da consciência que acusa o certo e o errado. Ele sabe que agredir o próprio filho seria errado, ouvir e levar em conta a opinião de sua esposa é certo e não se pode sair depredando propriedades ou furtando lojas, claro (exemplos inteiramente hipotéticos); mas diante da oportunidade de matar um homem pela vantagem que isso lhe representaria, por exemplo (exemplo hipotético? talvez sim, talvez, não; você vai ter que ler pra descobrir), ele perdeu a sensibilidade que o faria sofrer, sentir culpa, remorso ou qualquer tipo pesar na consciência. A absurda erroneidade de atos extremos assim passou a ser percebida como uma coisa trivial por ele. Carter não sente mais como sentia antes de seu período na prisão; ficou embrutecido, insensível e menos humano (se é que ainda faz sentido usar esse termo).
Quando sai da prisão, ele enfrenta problemas em seu casamento, no relacionamento com o filho e na forma com que a sociedade - e seus conhecidos e familiares - passou a lhe enxergar: um ex-presidiário, criminoso e delinquente. Esses conflitos catapultam-no a uma cadeia de erros e atitudes que logo o colocam de novo sob a mira da justiça - essa palavra que se tornou tão irreal e insípida para ele, que não deixa de estar errado nesse sentido.
Carter, nosso protagonista, marido de Hazel e pai de um garotinho, é um
engenheiro acusado de ser cúmplice em um esquema de desvio de dinheiro na obra
de uma escola em que ele estava trabalhando, e que, como consequência da aquisição
de materiais de qualidade duvidosa, acabou resultando na morte de um homem
na área de construção – outro envolvido no trâmite ilegal.
Carter termina passando seis longos anos na cadeia, apesar dos esforços de sua esposa que tentou sem cessar encurtar seu período cativo, contando com a ajuda de Sullivan, um advogado.
Carter termina passando seis longos anos na cadeia, apesar dos esforços de sua esposa que tentou sem cessar encurtar seu período cativo, contando com a ajuda de Sullivan, um advogado.
Na primeira centena de páginas e mais um pouco, acompanhamos,
através das vivências de Carter, o ambiente hostil e traumático que sintetiza o
sistema prisional. Como sabemos desde o princípio que nosso protagonista é
inocente do crime de que foi acusado – o que não costuma ser regra nesse tipo de contexto -, fica, naturalmente, mais fácil nos compadecermos ao vermos os males que ele
enfrenta durante sua pena – de castigos desumanos que rendem sequelas irreparáveis, infringidos
por guardas que abusam do poder descaradamente, a conflitos com outros detentos
e a dificuldade de se manter incólume e longe de desavenças nesse ambiente.
No entanto, para leitores mais atentos, fica claro que o objetivo da autora - muito reconhecida por desenvolver sua carreira em torno desse tipo de enredo - não é evidenciar o que ocorre dentro da prisão, e sim os reflexos que isso propaga fora dela.Depois de cumprir sua pena e estar em liberdade, vemos aos poucos Carter se perder num mar de indiferença que toma conta de seu interior, submergindo-o gradativamente em decisões erráticas que vão de mal a pior. Carter, tendo vivido seis anos num ambiente em que a brutalidade e a selvageria são a regra em voga, perde o tato, noções nítidas de empatia e, principalmente, perde a força da consciência que acusa o certo e o errado. Ele sabe que agredir o próprio filho seria errado, ouvir e levar em conta a opinião de sua esposa é certo e não se pode sair depredando propriedades ou furtando lojas, claro (exemplos inteiramente hipotéticos); mas diante da oportunidade de matar um homem pela vantagem que isso lhe representaria, por exemplo (exemplo hipotético? talvez sim, talvez, não; você vai ter que ler pra descobrir), ele perdeu a sensibilidade que o faria sofrer, sentir culpa, remorso ou qualquer tipo pesar na consciência. A absurda erroneidade de atos extremos assim passou a ser percebida como uma coisa trivial por ele. Carter não sente mais como sentia antes de seu período na prisão; ficou embrutecido, insensível e menos humano (se é que ainda faz sentido usar esse termo).
Quando sai da prisão, ele enfrenta problemas em seu casamento, no relacionamento com o filho e na forma com que a sociedade - e seus conhecidos e familiares - passou a lhe enxergar: um ex-presidiário, criminoso e delinquente. Esses conflitos catapultam-no a uma cadeia de erros e atitudes que logo o colocam de novo sob a mira da justiça - essa palavra que se tornou tão irreal e insípida para ele, que não deixa de estar errado nesse sentido.
É interessante perceber que Carter reproduz fora da prisão comportamentos (vistos como infrações) recorrentes dentro dela, que em teoria é um lugar em que a justiça deveria se fazer valer. Carter, sob a própria perspectiva, poderia muito bem se considerar justo nas atitudes que toma quando está de volta à sociedade, porque essa foi a justiça que ele aprendeu na prisão, oras. Isso evidencia a patente falha desse sistema.
Esse processo, de sucumbir à política olho por olho, dente por dente vigente no presídio, é testemunhado por nós, os leitores, que vemos nosso protagonista cair numa corrente de erros e é triste, muito triste, ver ele se perder assim e imaginar quantas pessoas foram vítimas de um sistema que falhou na tarefa de reintegrá-las.
Esse processo, de sucumbir à política olho por olho, dente por dente vigente no presídio, é testemunhado por nós, os leitores, que vemos nosso protagonista cair numa corrente de erros e é triste, muito triste, ver ele se perder assim e imaginar quantas pessoas foram vítimas de um sistema que falhou na tarefa de reintegrá-las.
Eu não tenho um olhar dos mais favoráveis (porque tem gente que parece ter, sim) sobre quem faz uso de meios ilícitos e envereda pelo caminho da criminalidade para conseguir o que quer (embora eu não ignore, claro, a parcela de responsabilidade que cai sobre a desigualdade social), e não estou entrando muito no mérito inocente x culpado aqui (até porque, como dito, Carter realmente é inocente), mas reconhecer o abismo atroz que existe entre o ideal e o que de fato se faz nesse contexto (justiça e medidas punitivas e de reintegração) é uma necessidade indiscutível. O livro trabalha isso e nos faz pensar.
Eu devo dizer que a escrita não me cativou tanto assim; faltou um quê de profundidade e sentimentalismo que faz com que eu me envolva nos livros que se tornam experiências memoráveis para mim. Eu não fui completamente fisgada pela narrativa, embora tenha aproveitado ela o quanto pude. Estava esperando um pouco mais e achei o que encontrei de uma qualidade mediana. Mas, embora eu não tenha me afogado no livro, como gosto de fazer, embora não tenha tido uma leitura extraordinária, A Cela de Vidro (nome interessantíssimo, a propósito) me fez pensar, me fez refletir e me fez um pouco, sim, sentir. Já é o suficiente pra mim.
E, preciso acrescentar antes de concluir: aquele final foi o melhor possível, na minha opinião. É o tipo de final que meus irmãos e minha mãe odiariam e do qual sairiam reclamando se vissem numa adaptação cinematográfica (provavelmente achariam inconclusivo), mas é, absolutamente e apesar da simplicidade de um arranjo que parece insípido a princípio, o que mais se encaixa na mensagem que a autora queria passar.
Eu devo dizer que a escrita não me cativou tanto assim; faltou um quê de profundidade e sentimentalismo que faz com que eu me envolva nos livros que se tornam experiências memoráveis para mim. Eu não fui completamente fisgada pela narrativa, embora tenha aproveitado ela o quanto pude. Estava esperando um pouco mais e achei o que encontrei de uma qualidade mediana. Mas, embora eu não tenha me afogado no livro, como gosto de fazer, embora não tenha tido uma leitura extraordinária, A Cela de Vidro (nome interessantíssimo, a propósito) me fez pensar, me fez refletir e me fez um pouco, sim, sentir. Já é o suficiente pra mim.
E, preciso acrescentar antes de concluir: aquele final foi o melhor possível, na minha opinião. É o tipo de final que meus irmãos e minha mãe odiariam e do qual sairiam reclamando se vissem numa adaptação cinematográfica (provavelmente achariam inconclusivo), mas é, absolutamente e apesar da simplicidade de um arranjo que parece insípido a princípio, o que mais se encaixa na mensagem que a autora queria passar.
''CARTER FRANZIU O CENHO NO ESCURO E TENTOU ACHAR SUA CONSCIÊNCIA. OU O VAZIO QUE A AUSÊNCIA DELA ACARRETAVA. ELA FUGIRA DELE. TALVEZ JÁ NÃO TIVESSE NENHUMA CONSCIÊNCIA. NÃO SENTIA NENHUMA DOR DE CONSCIÊNCIA POR CAUSA DO QUE FIZERA.''
Adorei a sua resenha!! :) Eu só tentei ler um livro da Patrícia Highsmith na vida e falhei bonito (but am I to blame, sao tantos livros por aí), mas essas coisas metidas com cadeia e desgraça psicológica é muito minha cara e eu quero ler. :D Obrigada por compartilhaaaaaaar! :***
ResponderExcluir"Coisas metidas com desgraça psicológica é muito minha cara" = AHHHHH, MINHA NOSSA, SIM, ADOREI ESSA FRASE, MUITO ME REPRESENTA, VOU TATUAR, hahaha (Sério.)
ExcluirNão entrou no rol (é assim que escreve?) de Livros Extraordinários Que Li (não sei dizer bem o que faltou, mas senti falta de algo, sim), mas trouxe uns pensamentos interessantes, então tá valendo. E né = DESGRAÇAS!!! =D!