31/10/2017

A Guerra dos Mundos

Do H.G. Wells
‘’Ninguém teria acreditado, nos últimos anos do século XIX, que esse mundo era atenta e minuciosamente observado por inteligências superiores à do homem e, no entanto, igualmente mortais; que, enquanto os homens se ocupavam de seus vários interesses, eram examinados e estudados, talvez com o mesmo zelo com que alguém munido de um microscópio examina as efêmeras criaturas que fervilham e se multiplicam numa gota d’água.’’

Assim começa esse livro que se tornou um marco da ficção científica, consagrado através dos anos como um dos pioneiros desse tipo de temática e o primeiro livro a retratar uma invasão alienígena hostil - feito que coloca o nome de Wells no cânone dos escritores clássicos da ficção até hoje.
Mas antes de falar disso tudo, de dizer se eu gosto ou não do Wells e se gostei ou não do livro, devo dizer que esse post contém spoilers. Inclusive O Grande Spoiler e Plot Twist de A Guerra dos Mundos. 
Eu me sinto no dever de fazer adversões quanto a isso porque considero spoilers uma coisa séria na vida do ser humano consumidor de qualquer coisa da cultura pop, então fica aqui meu devido aviso, para que o possível leitor não possa me acusar de ter sabotado sua experiência com esse clássico da ficção científica – que tem uma adaptação cinematográfica trazida para um contexto mais atual, inclusive (e que não é muito elogiada pelos críticos de cinema, diga-se de passagem).
Mas a verdade é que eu acho que essa história já é tão conhecida que o spoiler nem é mais spoiler, a não ser que você tenha passado o último século numa caverna, comendo raízes, se limpando com folhas secas, dormindo em pedras e tendo uma bola de estimação chamada Wilson. Quer dizer, o plot de A Guerra dos Mundos talvez só não seja tão conhecido quanto o Darth Vader sendo revelado pai do Luke em Stars Wars, ou o cara de Planeta dos Macacos encontrando a estátua da liberdade enterrada na praia no final. (Meus sinceros sentimentos de pesar caso você ainda não tenha assistido aos filmes e eu tenha acabado de ESTRAÇALHAR sua experiência com esses dois ícones. Se serve de consolo, também ainda não assisti Star Wars, então, como você pode perceber, minha experiência foi tão estragada quanto a sua.)
Mas, bom, pra não dar voltas e mais voltas (tarde demais), o que acontece é que marcianos invadem a Terra, em debandada graças ao cada vez mais letal resfriamento de Marte, sua terra natal (por isso eles se chamam "marcianos" e não plutanianos, saturnianos ou netunianos, dã), e vêm pra cá querendo destruir tudo e tomar conta do planeta (colonização ocidental feelings), com a ajuda de seus raios de calor, uma espécie de chama extraterrestre que sai das máquinas assassinas que eles constroem e pilotam, transformando todo mundo em churrasquinho em potencial.

‘’Através do golfo do espaço, mentes que em relação à nossa são como a nossa em relação às dos animais que perecem, intelectos vastos, frios e insensíveis, lançavam sobre esse planeta olhos invejosos e, lenta e inexoravelmente, traçavam planos contra nós.’’

Mas depois de algumas semanas aqui, explorando o território, destruindo monumentos e propriedades, carbonizando e matando pessoinhas, sem que nenhuma autoridade tivesse conseguido oferecer uma resistência significativa e quando já está todo mundo escondido em túneis subterrâneos ou sei lá, conformado com a futura realidade de ser escravinho dos aliens que se descortina à sua frente, os ETs simplesmente... morrem.
Eles, imensamente mais desenvolvidos que nós no campo da física e da matemática (além do intercâmbio entre planetas, né), com um poder bélico que destroçou o nosso em poucas horas, a cada minuto na terra predominando sobre a raça humana e nos reduzindo a meras cobaias e aberrações a serem observadas, sem que tenhamos representado uma ameaça por dois segundos sequer, não conseguem sobreviver às bactérias do nosso planeta - esses organismos vivos microscópicos aos quais eu, você e toda a humanidade sobrevivemos todos os dias e todas as noites, como parte integrante e aparentemente natural de nossa existência.
Chega a ser irônico.
Eu não gosto muito da escrita do Wells. Já li dois livros dele que resenhei aqui e aqui, e embora eu tenha conseguido tirar alguma coisa das leituras, o nome dele ficou longe, longíssimo de se destacar na minha lista (extensa, modéstia à parte) de escritores lidos. Pra mim a linguagem dele é um tanto simplória, não tem aquele quê de encantamento e profundidade que consegue me envolver, e pra mim envolvimento é um elemento essencial na literatura que mora no meu core <3. Em diversos momentos eu me pegava devaneando e pensando na morte da bezerra enquanto lia porque foi difícil pra mim desenvolver qualquer ligação com o livro que fosse além da mera superficialidade.
Não entrando em consenso com a opinião de muitos críticos (todos mais competentes do que eu, certamente), a meu ver ele acabou se consagrando como um escritor clássico muito mais pelos temas abordados, que eram inovadores para a época, do que pela escrita e pelo talento narrativo em si.
No início da edição que li há a introdução de outro escritor falando sobre como aquilo - uma invasão alienígena - era inovador para a Europa em que o livro foi lançado, porque até então se falava muito de guerra entre nações e era esse assunto pra todo lado. Até que chega uma criatura que eleva essa narrativa a um outro patamar, apresentando uma guerra que não se dá entre país x e país y, mas sim entre mundos.
Quer dizer: wow. O sucesso foi imediato.
Além disso, o escritor acaba fazendo umas críticas à sociedade, em meio à destruição dos aliens, que se mantêm bastante atuais: como o padre que o protagonista encontra, todo desiludido porque as obras da igreja foram destroçadas, e que apesar de toda a suposta fé de outrora, acaba se rendendo ao desespero e à insanidade e não sobrevive; como também a necessidade de uma consciência coletiva na humanidade e a diminuição da arrogância do homem, duas lições que aquele mal que ataca a todos e faz sofrer em conjunto e em igual medida poderia ter feito as pessoas assimilarem; e há também a comparação entre aliens e seu comportamento destrutivo com os humanos e os próprios humanos que também destroçaram dúzias de espécies supostamente inferiores a eles na terra.

Mas, antes de os julgarmos [marcianos] com muita severidade, lembremos a destruição cruel e completa que nossa própria espécie impôs não só a animais, como os extintos bisões e dodôs, mas a suas próprias espécies menores. 
[…]
Será que somos realmente esses apóstolos da tolerância, para nos queixarmos agora de que os marcianos nos combateram com a mesma mentalidade?”

Muitos definem como ‘’clássicas’’ aquelas obras que, do século XIX ao XXI, abordam questões que se mantêm atemporais. A Guerra dos Mundos consegue esse feito e reconheço o valor do livro por isso... mas ainda assim ele não me cativou.
Apesar disso, da minha torcida de nariz pro Wells, a verdade é que eu acho um tanto poética essa coisa de que nós, a humanidade, não vivemos no mundo, e sim sobrevivemos a ele. Porque é a realidade.
A morte dos aliens tão mais desenvolvidos que nós e que chegam aqui como estrangeiros, sem saber que a hostilidades da Terra vai muito além de suas bombas e raios de calor e que na verdade se desenvolve em silêncio e em segredo através de doenças, vírus, bactérias e todo tipo de microorganismo nocivo, diz que "poxa, se os marcianos grandões e poderosos morreram nas primeiras semanas nesse planeta, a humanidade que povoa esse terra há séculos aguentou um tranco danado pra chegar até aqui..." 
Somos sobreviventes. 
E isso não se aplica só a doenças, males naturais e bactérias, mas se estende a toda a experiência de nascer, crescer, envelhecer (quando se consegue) e morrer numa sociedade ferrada em que todo tipo de merdas acontece. Quer dizer, dois minutos assistindo ao noticiário nos mostram que sobrevivemos (alguns) a umas coisas muito surreais (que vão além de má formação congênita ou dengue, I mean), e às vezes a civilização parece se assemelhar a uma verdadeira SELVA.
Percebem quão significativo é isso? Percebem que estamos todos na mesma canoa furada e que se manter vivo e respirando na superfície apesar do TSUNAMI que corre ao lado da canoa tentando afundá-la não é pouca coisa? 
Sobreviver não é pouca coisa.
Isso - esse ângulo meio bucólico através do qual podemos enxergar a narrativa - foi o que fez com que eu não me arrependesse da leitura, e apesar de todas as reclamações sobre a escrita do cara, venha aqui recomendar o livro, sim.
Porque a consciência de que não estou vivendo no mundo há quase 20 anos, e sim sobrevivendo a ele durante todo esse tempo, é tão certa quanto a própria morte que vai findar essa resistência.

Tudo o que mais gostei no livro é sintetizado nesse trecho aqui, meu favorito:
‘’ACONTECERA O QUE EU E MUITOS PODERIAM TER PREVISTO, SE O MEDO E A CATÁSTROFE NÃO TIVESSEM CEGADO NOSSA INTELIGÊNCIA. AS BACTÉRIAS PORTADORAS DE DOENÇAS HAVIAM CASTIGADO A HUMANIDADE E NOSSOS ANCESTRAIS PRÉ-HUMANOS DESDE O COMEÇO DOS TEMPOS, DESDE QUE A VIDA COMEÇOU NO PLANETA. MAS, POR VIRTUDE DA SELEÇÃO NATURAL, NOSSA ESPÉCIE DESENVOLVEU RESISTÊNCIA CONTRA ELAS; A NENHUM MICRÓBIO SUCUMBIMOS SEM NOS DEFENDER, E A MUITOS – ÀQUELES QUE PUTREFAZEM A MATÉRIA MORTA, POR EXEMPLO – NOSSO ORGANISMO VIVO É TOTALMENTE IMUNE. MAS NÃO HÁ BACTÉRIAS EM MARTE E, ASSIM QUE OS INVASORES CHEGARAM, ASSIM QUE COMEÇARAM A BEBER E A COMER, NOSSOS MICROSCÓPICOS ALIADOS COMEÇARAM A PREPARAR SUA QUEDA. ENQUANTO EU OS OBSERVAVA, ELES JÁ ESTAVAM IRREMEDIAVELMENTE CONDENADOS, MORRENDO E APODRECENDO MESMO ENQUANTO SE MOVIAM DE UM LUGAR PARA OUTRO. ERA INEVITÁVEL. PELO PREÇO DE UM BILHÃO DE VIDAS, O HOMEM COMPRARA SEU LUGAR DE DIREITO NA TERRA, QUE LHE PERTENCE EM DETRIMENTO DE TODOS OS INVASORES E QUE CONTINUARIA A PERTENCER-LHE AINDA QUE OS MARCIANOS FOSSEM DEZ VEZES MAIS FORTES DO QUE ERA. POIS O HOMEM NÃO VIVE E NEM MORRE EM VÃO.’’

*Eu esqueci (de novo) de tirar foto do livro antes de devolver à biblioteca, então tô desafiando meu pseudo TOC e burlando a regrinha autoimposta (que provavelmente ninguém mais percebeu que existe, mas ok) de só publicar resenhas com fotos que eu mesma tirei dos livros, e aproveitando esse monte de imagem legal de Guerra dos Mundos que tem nos confins da internet. ;)

2 comentários:

  1. Olha, eu confesso que histórias que envolvem invasões alienígenas nunca me atraíram... acho tudo tão caricato que não consigo me apegar, sabe? a história fica sempre na superfície pra mim. Talvez por isso, apesar de um clássico., Guerra dos Mundos nunca tenha entrado na minha lista de leituras. Mas gostei da sua resenha e fiquei até curiosa sobre o desenrolar desse livro. Quem sabe não dou uma chance?

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    1. Entendo tua visão. Sou assim com vários assuntos - embora ETs não seja um deles: ADORO hahaha
      Como eu disse, apesar de ser um clássico super conceituado, eu não curto muito a escrita do Wells, então acho que se tu fosse tentar, tua impressão de superficialidade ia se repetir de novo com esse tema, sabe. =/ Embora ele levante umas questões, eu também não me desprendi do sentimento de que as coisas eram meio superficiais. Isso foi de fato uma pena, mas ocorreu com todos os livros do autor que eu li. =(
      Mas enfim, continuo querendo ler tudo que tiver pra ler com invasão alienígena no meio, haha

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