27/01/2017

Grande Hotel

De Vicki Baum
O bom do livro não é a história, e sim os personagens -além da capa fofinha e vintage, hih. Mas falemos da história primeiro.
Grande Hotel se ambientaliza quase que inteiramente (pouquíssimas páginas fazem exceção à regra) num hotel AH, JURA?! de Berlim que, naturalmente, abriga centenas de pessoas diferentes -e suas histórias. Ao longo de aproximadamente uma semana, acompanhamos o dia a dia naquele movimentado ambiente; as idas e vindas, os que partem e os que ficam, os hóspedes e os funcionários. Todos diferentes tendo uma única coisa em comum: o lugar em que pararam para ficar em suas andanças. Uma velha dançarina de balé, um jovem e atraente ladrão buscando uma presa, o dono de uma empresa em busca de negócios complexos que lhe gerariam mais lucro, um funcionário pobre vítima de uma doença terminal que vai àquele hotel conceituado atrás de emoções que ele nunca teve... Enfim, homens e mulheres, jovens e idosos dividindo aqueles mesmos corredores.
Com essa premissa não é difícil imaginar as mil possibilidades que correm sobre as páginas do livro. É fácil prever (embora não com exatidão) as intrincadas tramas que podem se formar entre essas histórias de pessoas peculiares e de opiniões por vezes antagônicas (isso se evidencia de maneira quase cômica com os diferentes conselhos que dois personagens dão a Kringelein, o quase moribundo) que cada hóspede carrega no peito. Um romance se desenvolve aqui, uma inimizade ali, conflitos, brigas, paixões, frustrações e expectativas das mais variadas origens envolvendo aquela miríade de criaturas diferentes. E de fato algumas tramas se desenvolvem, mas aí entra a parte interessante sobre o que eu disse na primeira sentença da resenha: embora o enredo tenha um baita desenrolar em potencial, ele fica longe de se destacar, porque compete com o brilho individual dos personagens e esse é o trunfo do livro -os personagens.
Eles são bem desenvolvidos e ricos em sua personalidade e história. Grusinskaia, a senhora bailarina, trás à tona um monte de sentimentalismo (não do tipo excessivamente piegas) em questões profundas como a velhice, a carreira artística em meio às exigências do tempo, a realização pessoal, a autoimagem de uma mulher e a forma com que as circunstâncias ao seu redor a alteram, amores em meio a meras paixões momentâneas etc, etc. Ela é uma das personagens mais bonitas (daquele jeito melancólico e reflexivo que poucas coisas conseguem ser) sobre as quais já li, e seus conflitos internos acabam tendo um bom espacinho pra se revelar em dado trecho do livro.

''Na vida da Grusinskaia o amor não havia representado um papel importante. Tudo o que o corpo e a alma possuíam de paixão fluía para a dança. [...] Rodeada de admiradores, requestada e perseguida por apaixonados, não acreditava apesar de tudo na existência do amor. Ele não lhe parecia mais real  do que os cenários pintados, os templos de amor e as sebes de roseiras diante dos quais seus bailados eram executados.''

Outro personagem interessante é Kringelein, o homem que em suas últimas semanas de vida procura passar um tempo naquele hotel e cidade em busca do que fazer, de como sentir, de como agarrar a vida que ele só observou de longe durante toda a sua existência. Com ele, nos debatemos com a questão de ''o que é, exatamente, viver a vida em seu sentido pleno?'' Quando posso dizer que estou de fato aproveitando a vida? Como isso se sucede, o que é preciso fazer pra dizer que se está vivo com propriedade?
Em um diálogo com um senhor meio rabugento que tenta aconselhar Kringelein nesse aspecto, acabamos lembrando que a vida, na verdade, sempre esteve ao nosso lado, pronta para ser desfrutada, sem que seja preciso ir a um hotel conceituado em uma cidade fervorosa para tanto. Lembramos que (algo que no fundo acho que todo mundo sabe, mas esquece) é muito fácil criar expectativas sobre o lugar em que queremos estar, com as pessoas certas, fazendo finalmente o que queremos  e vivendo do jeito que achamos que gostaríamos de viver para, então, se prender a essas idealizações e tocar sobre elas toda a responsabilidade de, enfim, podermos nos fazer felizes e contentes como quem realmente ''vive a vida''. Esperamos tanto possibilidades de ser feliz no futuro que esquecemos que podemos nos fazer felizes agora mesmo, aqui, no presente, bem onde estamos e com quem estamos.

''-Existirá mesmo essa vida que o senhor imagina? A coisa propriamente dita existe sempre num lugar diferente. Quando a gente é jovem, pensa: mais tarde!... Mais tarde lamentamos: antigamente é que eu vivia. Quando estamos aqui, imaginamos a vida na Índia, na América, no Popocatepetl ou em outro lugar qualquer. Mas, quando nos encontramos lá, a vida acabou de passar por ali e desaparecer, ficando à nossa espera aqui, aqui mesmo, de onde nós fugimos. Com a vida passa-se a mesma coisa que com os caçadores de borboletas e os lepidópteros que tentam que tentam pegar. Enquanto estão voando, são uma maravilha. Depois que os apanham, notam que as cores desapareceram e as asas se estragaram.''

Enfim, sobre esse pensamento e alguns outros somos levados a refletir um pouco no livro, acompanhados dos diferentes personagens que também dividem conosco essas reflexões.
Outra coisa legal que o ambiente em que o enredo se desenrola proporciona é o pensamento acerca da efemeridade e fragilidade dos cenários da vida. Um dia um hóspede está no quarto 68, vivendo e pensando o que ele, especialmente, vive e pensa, criando um pedacinho da história de si naquele aposento, deixando a marca de sua existência naquele lugar...até que no outro dia ele parte e outra pessoa ocupa seu espaço, com problemas, alegrias, estilo e pensamentos diferentes, tomando conta daquele ambiente como se o hóspede número um nunca houvesse existido. Isso acontece na vida e não só entre as paredes de um quarto de hotel. As coisas passam, vão embora e são ignoradas como se jamais tivessem acontecido. Pessoas vêm e vão e suas histórias ficam brevemente marcadas, seus destinos são levemente alterados por aqueles dias num hotel lotado e cheio de vidas. É interessante pensar nisso.
Diferentes linhas se cruzam nessa história, mas acho que esse emaranhado não supera a individualidade dos personagens. Eles, decididamente, são o que faz as duzentas e tantas páginas valerem a pena.
Embora eu tenha me apaixonado por certas pessoinhas inventadas que correm por essas páginas, o livro, de maneira geral não me envolveu muito, sabe? Não cheguei a mergulhar na história até me afogar, e esse é um dos motivos pelos quais, apesar de abrigar personagens que achei memoráveis, a obra inteira não vai entrar pra minha lista de favoritos.
Mas, como eu já disse aqui e repito sempre, ''cada leitor é um leitor'', e o que pode ter parecido, em parte, raso para mim, pode te encobrir até o pescoço. Então, recomendo, sim. Conheça a Grusinskaia, o Kringelein, Gaigern e alguns outros, quase posso prometer que você vai gostar deles. ;]

''OS DESTINO VIVIDOS NUM GRANDE HOTEL NÃO SÃO DESTINOS COMPLETOS, INTEIROS, TOTAIS. SÃO APENAS TRECHOS, FARRAPOS, PARTES DE UM DESTINO. POR DETRÁS DAS PORTAS HABITAM INDIVÍDUOS INDIFERENTES OU ESQUISITOS, HOMENS EM ASCENSÃO E HOMENS DECADENTES; VENTURAS E CATÁSTROFES MORAM PAREDE A PAREDE. [...] TALVEZ NÃO EXISTA MESMO NO MUNDO UM DESTINO COMPLETO, MAS APENAS PARTES DELE, INÍCIOS SEM SEQUÊNCIA, PONTOS FINAIS SEM NADA A PRECEDÊ-LOS.''

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