13/09/2017

A Ignorância

Do Milan Kundera
Peguei um livro que sabia que iria ser denso e penejava ler outro bem comprido, então queria uma leitura leve e rápida para fazer entre os dois. Escolhi esse, do Kundera, porque poxa!, que pequenininho, são só 128 páginas. Vou ler rapidíssimo e sem grandes dramas, porque olha a finura disso... 
Que engano ridículo; eu esqueci que estávamos falando de Kundera.
Acontece que não tem como ler esse senhorzinho de maneira desleixada, rápida, leve e numa sentada só. Ele exige que você preste atenção, entre no clima, se permita envolver pela história e acompanhe com todo o engajamento o que está sendo retratado naquelas páginas. Ele exige que você se dedique e realmente queira estar ali. Ler Kundera da maneira superficial que eu estava planejando é ler Kundera errado. Não dá.
Sabe aquela história de ''cada leitura tem um momento certo para ser feita, e se você tentar na hora errada vai acabar estragando o brilho da coisa''? Eu normalmente torço o nariz pra esse tipo de frase pronta porque quase nunca consigo aplicá-las à minha vida; era assim com essa em especial porque ler, para mim, sempre foi uma coisa natural. É difícil eu pegar um livro e falhar na tarefa de me dedicar a ele. Mas totalmente passei a levar em consideração esse dito popular quando tentei ler A Ignorância.
Percebi que ''não era o momento certo para mim'' não necessariamente por estar num período da minha vida que fosse incompatível com o livro, mas por ''estar com pressa'', coisa que não dá pra fazer com uma leitura dessas.
Comecei a lê-lo de um jeito meio corrido e desatento e nas primeiras páginas já caímos numa miríade de questões e ângulos abordados de maneira simultânea e dinâmica. Kundera, logo de cara, discorre sobre um personagem da mitologia grega e romana, a etimologia de palavras em diferentes línguas, o contexto histórico da dominação comunista russa na Tchecoslováquia e, claro, introduz a narrativa dos personagens que vão preencher sua história. Tudo ao mesmo tempo, sim, porque KUNDERA.
Não dá pra ler de maneira desleixada e superficial algo que já começa assim, entendem? Já apanhei logo nas primeiras páginas porque lia enquanto pensava na morte da bezerra e quando vejo, estou na página 30, 40, sem ter focado no livro e, obviamente, sem entender nada.
Então parei e, ok, Carolina, você vai ter que se concentrar e levar a leitura mais a sério; não dá pra subestimar um livrinho desse cara.
Aí comecei a me envolver de fato.
Nessa história conhecemos Irena e Josef, dois expatriados que passaram anos em outros países ao fugir do regime comunista, e que voltam à República Tcheca depois desse tempo todo, quando o comunismo não impera mais. Os dois se encontraram uma única vez antes desse período longo em que viram completos desconhecidos longe de suas casas, e acabam se reencontrando epenas no retorno ao seu país, depois de quase duas décadas de afastamento. A proposta do livro começa a se desenvolver quando Kundera explora os sentimentos adversos e conflituosos que os dois passam a enfrentar com ''o grande retorno'' ao seu país de origem. Em vez da alegria que eles imaginaram que iam sentir depois de anos fora de suas terras, sentem vazio e despropósito porque percebem que aquele lugar perdeu qualquer significado que poderia ter tido em tempos longínquos; em vez do contentamento com que esperavam que os moradores os recepcionassem, não são acolhidos de maneira acalorada porque, depois de 20 anos, eles passaram a ser completos estranhos para aquelas pessoas.
Em suma, toda e qualquer expectativa que eles nutriam a respeito de seu retorno, a respeito dos próprios sentimentos por seu país de berço, se esvaíram como fumaça assim que puseram os pés lá e perceberam que essas impressões não se sustentaram depois de tanto tempo.
Kundera traça um paralelo entre nostalgia, o conceito mais discutido no livro, e a ignorância, nos fazendo perceber que ambos formam uma dualidade praticamente indissociável: sente-se nostalgia por aquilo que, depois de um tempo, passamos a ~desconhecer~ e ignorar. Irena e Josef percebem que é isso que sentem com relação à sua nação.
Claro que o livro é bem mais profundo do que essa síntese aí de cima, mas eu sinceramente me recuso a tentar elaborar muitos parágrafos a mais porque sei que vou acabar falhando em tentar captar a essência. Life goes on.
É um livro sensível, sensível, sensível. Profundo, profundo, profundo. Melancólico pra caramba (mais do que eu e eu meio que sou RAINHA nisso). É algo em que você tem que estar preparado e disposto a mergulhar. Eu não estava tão disposta assim então coloquei na minha lista de releituras obrigatórias, por motivos de NECESSIDADE.
Eu amo esses temas meio tristes e melancólicos e o sentimento/conceito de saudade e nostalgia é algo que sempre me cativou e intrigou. Não sei quão normal esse hábito pode ser, mas há ~sentimentos~ nos quais penso e os quais tento entender, teorizando, observando e experienciando o quanto posso; uma sessão de psicanálise individual, digamos assim. Gosto de pensar em saudade, nostalgia e em como elas nos atingem, e ler Kundera discorrendo a respeito foi uma experiência linda. 
Entre as questões abordadas no livro, uma das que mais ocupa meus pensamentos é a impossibilidade de podermos voltar plenamente no tempo (mesmo que de maneira meramente abstrata, através de lembranças), resgatando da memória tudo o que vivemos sem nenhuma lacuna ou brecha. É impossível fazer isso, porque a cada segundo que passa nossas memórias e sentimentos são reciclados e o que passou nunca, jamais, voltará a ser como era. É bonito pensar nisso, bonito e triste.
Josef e Irena nunca puderam, verdadeiramente, retornar ao lugar de onde vieram porque suas memórias e sentimentos se modificaram ao longo do tempo e eles perceberam que o lugar que visualizavam em suas mentes na verdade não existia mais. Como em A Insustentável Leveza do Ser, em cada capítulo o autor levanta reflexões sobre muitas coisas diferentes, que acabam compondo as vivências dos protagonistas, e essa é uma delas.
Well, essa resenha ficou meio confusa e acabou sendo mais um texto sobre uma experiência minha lendo Kundera do que uma resenha crítica propriamente dita, mas enfim, foi o que saiu. Certamente vou relê-lo (além de explorar mais a bibliografia do autor) em algum momento pra poder desenvolver algum conteúdo mais objetivo e concreto sobre; mas enquanto isso não ocorre, me despeço recomendando o livro a todo mundo que gosta de dar aquela filosofada básica de vez em quando - com o bônus, é claro, da companhia de um escritor genial. ;)

''EM GREGO, RETORNO SE DIZ NÓSTOS. ÁLGOS SIGNIFICA SOFRIMENTO. A NOSTALGIA É, PORTANTO, O SOFRIMENTO CAUSADO PELO DESEJO IRREALIZADO DE RETORNAR.''

2 comentários:

  1. amei seu texto e posso te dizer que você fez justiça ao kundera. de fato seus livros exigem pouco mais de dedicação, de reflexão... mas no fim, sempre vale muito a pena!

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    1. Owwwn, obrigada! Ler que algo meu fez justiça a um escritor tão talentoso é gratificante! =D <3

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