24/10/2017

O Apanhador de Sonhos

Do Stephen King
Há um tempo atrás, quando fui falar dos meus escritores favoritos até então, me peguei um pouco incerta ao tentar definir por que gosto tanto dos livros do Stephen King. Ao ler esse aqui eu cheguei a uma conclusão bastante simples: ele me faz sentir. 
O que os personagens passam, as perdas, as vitórias, as alegrias e as tristezas, eu sinto junto com eles numa intensidade arrebatadora e real que não é pouca coisa, não - é, inclusive, a grande lacuna que me impede de aproveitar tantos outros escritores que muita gente prestigia... mas com os quais não consigo me envolver. 
King consegue me fazer sentir. E sentir foi o que fiz, de novo, com O Apanhador de Sonhos.
Nesse livro conhecemos quatro - eventualmente cinco - amigos de infância que cresceram juntos, construíram suas vidas e tomaram caminhos diferentes, mas que anualmente se encontram numa cabana no meio de uma floresta do Maine (cenário frequente nos livros do autor) para uma temporada de caça, bebedeira, conversas e nostalgia.
Numa observação inicial, não há nada de excepcional na amizade de Henry, Jonesy, Pete e Beaver, mas a verdade é que a relação dos quatro passou a uni-los até o ponto atual graças a experiências nada convencionais, desde que conheceram o quinto e ocasional membro do grupo: Duddits, um menino com retardo mental, extremamente frágil, gentil e inocente que é detentor de uma habilidade sobrenatural que ele passa a compartilhar com seus amigos por osmose, fazendo com que os cinco sejam protagonistas de episódios um tanto inusitados, que chegam até a render uma publicação no jornal local.
Os poderes de Duddits, dos quais seus amigos compartilham em certa medida, são um tanto imprecisos e vagos, difíceis de sintetizar em palavras, então pouparei meu tempo aqui e deixarei a descoberta pra quem quiser se aventurar no livro. Mas o que devo dizer é que essas habilidades mediúnicas se tornam cruciais na vida dos quatro amigos, já há alguns anos afastados de Duds e adultos, quando a floresta em que eles estão para a temporada de caça se torna o cenário de um conflito nada amigável entre humanos e seres extraterrestres, e eles (os que sobrevivem, porque Stephen King é meio George R.R. Martin e não poupa os personagens de um destino dramático, quando é preciso), aos poucos e sem perceber (ou tampouco querer), se veem como peça central numa batalha dramática e melancólica que decidirá o destino da humanidade.
Eu sei que parece uma premissa extremamente clichê... ''Quatro amigos unidos na luta contra ETs, num embate que decidirá o futuro da humanidade, veja hoje nos cinemas!'' Quer dizer, já ouvimos essa história antes. Mas King acaba fugindo do óbvio graças a alguns elementos a mais, e realmente conseguiu me fazer envolver muito na história (eu tinha ultrapassado a página 300 já no segundo dia de leitura...) desses 5 e de mais alguns ocasionais coadjuvantes que ganham seus momentos de glória ou desgraça aqui e ali, e que são introduzidos de maneira consistente e com personalidade na trama. 
A própria forma de vida alienígena não é das mais tradicionais, a começar pelo fato de que não é apenas uma espécie que vemos em ação, e sim TRÊS criaturas prontas para desgraçar nosso querido planetinha. Há o hominídeo mais tradicional, que nessa versão é cinza, sombrio e toma conta da consciência e autonomia dos humanos que cruzam seu caminho; há também uma criatura perturbadora que o autor descreve como uma fuinha sem patas, com uma cauda vermelha e um monte de dentes assassinos (pois é: WTF?!), que entra DENTRO das pessoas, se aloja no intestino delas e depois de já ter feito certo estrago e usufruído de tudo que o hospedeiro poderia oferecer, sai através de você sabe que lugar, matando o infeliz e todo mundo que aparecer pela frente; e há ainda a terceira forma de vida, a meu ver a mais atípica nesse tipo de narrativa (Homens vs Aliens): uma espécie de fungo vermelho denominado Ripley, que contamina os seres humanos através do contato com feridas e orifícios, e cresce se espalhando no organismo da pessoa e destruindo ela de dentro pra fora. 
A forma com que o SK descreveu essa terceira DESGRAÇA me deixou nos nervos, porque eu tenho um pouco de tripofobia e imaginar aquelas coisas brotando nas pessoas e saindo pelos ouvidos, nariz e boca me deixava arrepiada de asco e desgosto. Urgh.
Além disso, os aliens trouxeram consigo uma habilidade telepática à qual os humanos nas imediações ficavam sujeitos, e isso deu pano pra manga do livro porque obviamente todo mundo na floresta estava SURTADO, ninguém em plena posse de suas faculdades mentais e muitos prontos a sacrificar a pele dos coleguinhas pra poder sobreviver... Mas como agora podiam ler as mentes uns dos outros, descobriam as tramoias alheias e todo mundo saía se matando loucamente porque WELCOME TO THE JUNGLE.
Além de toda a questão com os aliens, que é um tema que eu amo de paixão (ALIENS AMO ALIENS ME DEEM COISAS DE ALIENS VIVA ALIENS), o livro me tocou porque a amizade dos cinco protagonistas é retratada de maneira muito profunda, sentimental e real. Não temos aqui um livro de raça humana contra raça alienígena lutando pela sobrevivência de iguais, temos a história de uma amizade de décadas resistindo e sobrevivendo nesse contexto. A maneira com que o Stephen King desenvolve a narrativa da relação entre os cinco amigos é muito linda, forte e comovente. Me deixou com aquelas lagriminhas tímidas dentro do olho quando eu vi o desfecho da história, que insistem em me acometer ao fim dos livros do autor.
O livro não se perde no clichê porque, tal como escrevi um pouco acima, uma batalha um tanto melancólica é travada, indo além de bombas, explosões, tiros, violência e miolos de variadas raças rolando. O cerne da luta entre humanos e alienígenas no livro se dá no campo das ideias, do pensamento, dos sentidos e da emoção. Há um grande elemento subjetivo (como Stepehen King gosta e explora de maneira a nos sacudir mentalmente em vários títulos seus) que carrega em si toda a razão de ser do romance. Quando isso é percebido e revelado em panos limpos ao fim do livro, nosso cérebro dá aquela pequena expandida que sacode um pouco as estruturas e nos faz ficar com cara de Nazaré por uns bons minutos, sabe? (Eu, inclusive, voltei algumas páginas e reli parágrafos um por um pra ver se tinha sacado mesmo o que o cara queria dizer, porque ler mais de 800 páginas pra no fim não entender mesmo a coisa NÃO ERA UMA OPÇÃO.)
Por fim, digo que o apanhador de sonhos que dá título ao livro era um pequeno artefato (se não me engano, de origem indígena) transformado em objeto decorativo na cabana de caça dos amigos. É o que conhecemos como filtro dos sonhos: servia para que os pesadelos e sonhos ruins ficassem presos em suas teias e linhas, impedidos de perturbar a mente humana. O que o livro destrincha aos poucos e com sutileza, através da batalha aliens x humanos, que no fundo é mais uma batalha da humanidade consigo mesma, é o fato de já sermos apanhadores dos sonhos nós mesmos, retendo e absorvendo tudo de ruim, tóxico e danoso que nos cerca.
Esse livro é uma ficção que eu amei descobrir num fim de semana chuvoso e sem internet, e que recomendo aqui pra quem estiver com vontade de aliens e com algum tempo de sobra (são mais de 800 páginas, afinal). Mas mais do que uma trama fictícia pra embalar um fim de semana, o que Stephen King faz aqui é dizer que Apanhadores de Sonhos somos eu e você. Somos todos nós.


''ISSO É UM ERRO. ISSO É TAMBÉM COMO UMA VIDA MUDA PARA SEMPRE.''

3 comentários:

  1. Oi Carolina, achei seu blog tão fofo e confortável de ler!
    Eu até hoje não li nada do Stephen King, mas quero ler algum dia algum livro dele já que tanta gente fala tão bem dele.

    Abraço!

    cotidiano-alternativo.blogspot.com.br

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    1. Obrigada! É tão bonitinho ler esses comentários, faz com que eu me esqueça por alguns minutos o descompromisso que tenho com isso aqui e fique feliz pelo resultado, haha

      Sugiro que tu comece pelos livros mais curtos dele, quando for ler pela primeira vez. Carrie, A Estranha, é uma boa opção. Esse da resenha é longo e pode assustar numa primeira leitura, haha

      (Também amei teu blog!)

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    2. Que bom que meu comentário te fez bem <3
      Obrigada pela recomendação!
      E que bom que gostou do meu blog :D

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