13/06/2018

Um Dia

Do David Nicholls
Durante bastante tempo eu pensei que Um Dia era sobre como a passividade não leva ninguém a lugar nenhum, uma vez que Emma, a protagonista feminina que divide espaço com Dexter, nutria uma paixão secreta pelo amigo, e por medo e receio jamais buscava qualquer realização concreta para seus sentimentos, resignando-se inerte na posição de amiga leal e companheira, tentando com afinco convencer a si mesma de que não era pra ser mesmo, o destino dita, tudo bem sermos só amigos, nossa chance já passou.
Como o livro intercala a narrativa através da perspectiva dos dois amigos, um de cada vez, vemos que Dexter também sente algo diferenciado por ela, embora não se preocupe tanto em definir a natureza desses sentimentos. Ele gosta de Emma sem saber que gosta de verdade de Emma. 
Só que os dois são claramente perfeitos (esse é um conceito errado, mas licença poética, por favor) um para o outro, meant to be, aquele eterno casal que todos os amigos shipam secretamente fantasiando o dia em que eles enfim deixarão o orgulho de lado e ficarão juntos, porque claro.
Dexter e Emma foram feitos para ficarem juntos, são Aquela Pessoa, uma Constante mútua. Não importa quantas vezes Dex saia pelo mundo ou quantas peças infantis hesitantes Em apresente com seus alunos, é pra ela que ele vai voltar cheio de histórias sobre a Índia e é pra ele que ela vai ligar pra dizer que foi um sucesso, os pais adoraram. Todas as estrelas se alinhavam para que eles ficassem juntos...
Mas nenhum deles nunca fazia nada. Ficavam observando passivamente o tempo passar e as oportunidades de desenvolverem um relacionamento amoroso acenando para eles do banco de trás.
Emma se prende a sua autoestima deturpada que berra insignificância e a suas noções de insuficiência, achando que os dois nunca dariam certo porque ela jamais seria alguém importante o suficiente - nem pra si mesma. Já Dex nem sabe bem o que sente, porque tem medo de analisar os próprios sentimentos e se toca numa rotina vertiginosa em sua vida de pseudo superstar alucinado que não tem tempo para sentimentos. E assim o tempo passa e eles nunca se resolvem. Vivem suas vidas, constroem e desmancham carreiras, começam e largam empregos e projetos, iniciam e rompem namoros e casamentos, envelhecem... Mas quando se trata dos apelos românticos de seu relacionamento (aos quais Dex nem atenta, mas que perturbam Em constantemente), são sempre apáticos, sempre resignados, sempre passivos, sempre inertes.
Claro que eles não têm olhos apenas um para o outro, porque ambos se envolvem com outras pessoas ao longo da história, mas aquela voz no cantinho da cabeça que sugere essa união sussurra para eles continuamente.
Comecei a ver o quanto esse livro é sobre mim e para mim, porque eu sou assim, especialmente no que diz respeito a relacionamentos interpessoais. Me prendo à ideia errônea de que se for pra ser será, o destino se encarregará de me conceder o que cabe a mim, deixa a vida fazer seu trabalho e todo o tipo de baboseiras do tipo, e não faço nada, não dou um passo sequer, me iludindo tacitamente com aquelas ideias de conto de fada em que a noção em voga é a de que A Pessoa Certa Virá Não Importando As Circunstâncias.
Quebro a cara sempre, claro. Foi o que aconteceu com meu mais recente protótipo de relacionamento, por exemplo. Então eu me via muito nos dois, especialmente em Emma, nessa inércia ridícula em que nós duas nos afundamos deliberadamente e que é garantia de estagnação.

"Acho que você tem medo de ser feliz, Emma. Parece que pensa que o caminho natural das coisas na sua vida é ser triste, sombria e macambúzia, e odiar seu emprego, odiar o lugar onde mora e não ter sucesso nem dinheiro, e Deus a livre de um namorado. Na verdade vou mais longe: acho que você gosta de se sentir frustrada e ter menos do que queria ter, porque isso é mais fácil, não é? O fracasso e a infelicidade são mais fáceis, porque você pode fazer piada com isso. [...]"

Essa bagaça é tão eu que chega a ser creepy.

Claro que os anos de relacionamentos frustrantes e vazios não são "culpa dela" (porque me desculpem, o bosta da história é claramente o Dexter) por não saber como proceder, mas não podemos negar que ela, a quem esse apelo romântico mais urge, se deixa carregar pela maré - como eu faço.
Essa identificação fez com que o livro não fosse só uma leitura, e sim uma experiência pessoal, uma extensão escrita da minha vida.
E Um Dia é sobre isso mesmo, sobre como você pode perder décadas gloriosas por comodismo e medo de agir. Mas não é somente isso. Porque uma hora, quando parecia que nada iria acontecer mesmo, o par cria vergonha na cara e vira enfim um casal.
É lindo, é sensível, é tocante... Mas porque demorou tanto, durou menos do que poderia.
Talvez uma outra interpretação possível é a de que tudo tem um tempo certo e o tempo de Dex e de Em foi esse mesmo, ponto. E essa proposição é correta, porque antes de ser uma história sobre amor, Um Dia é uma história sobre o tempo. Mas estou sendo um pouco negativista conjecturando se na verdade a demora não foi só isso mesmo, uma demora. Desnecessária e coibitiva. Limitante.
Emma e Dexter se conhecem no dia das suas formaturas na universidade e têm uma noite fugaz de reflexões e devaneios sobre futuro, vida, universo e tudo mais. Só que Emma é insegura, contida e ponderada e Dexter é o arquétipo de playboy galã pegador adendo adendo adendo. A princípio eles não tinham motivos para alimentar a relação, seja ela qual fosse, mas acontece que ele não consegue parar de pensar nela e ela não consegue parar de pensar nele, e seus caminhos se bifurcam em diversos momentos, fazendo com que eles virem presenças atemporais na vida um do outro. Acompanhamos suas vidas durante 20 anos, sempre no dia 15 de julho, e vemos como a existência trabalha com os dois.
Um Dia é de arrasar corações. Ele envolve tanto que chega a dar raiva, porque por que estou sofrendo assim por personagens fictícios, caramba?! Quer dizer, vai se ferrar, Nicholls.
Ele poderia ser só mais uma historinha clichê de amor (e a vida que queremos não é isso mesmo, por favor?), mas é real demais pra isso, porque na maior parte do tempo vemos a prévia incerta e dolorosa, os momentos extenuantes e de contestação, o antes, o talvez nunca seja. Vemos como aquela relação se turva nos afligindo com palavras não ditas, cartas nunca enviadas, encontros que desencontram, telefonemas truncados e olhares que dizem o que os lábios nunca proferem.
Eu saí ferradíssima da cena no labirinto, porque ela é o que acontece quando a vida não segue o roteiro que a gente acha que está escrito e predeterminado, com todos recitando suas falas e cumprindo seus devidos papéis para que a gente possa ter aplausos efusivos e rosas atiradas no palco por uma plateia emocionada quando a cortina fechar.
E foi então que eu percebi que por ser sobre o resultado de ficar parado diante de seus amores (ou de objetivos e desejos ordinários, se quisermos adaptar essa narrativa a qualquer tipo de cenário), acomodado na insuficiência amena do tem sido, e não nas realizações emocionantes do que pode ser, Um Dia se faz também sobre como a vida não tem sentido narrativo e um meteoro pode cair na sua cabeça sem mais nem menos AGORA, então é melhor fazer o que se pode fazer no tempo presente sem procrastinação e apatia, porque o caos da existência não segue o protocolo romanceado que a gente idealiza e ''A Pessoa Certa'' não vai cair no nosso colo simplesmente porque era pra ser.
E como a existência não é um ciclo perfeito moldado visando nossa satisfação, tudo pode acabar a qualquer momento, com um AVC, latrocínio, abdução alienígena seguida de lavagem cerebral ou um acidente de trânsito, só pra citar alguns exemplos.
E se tudo pode acabar a qualquer momento, se você não tem garantia de que o dia de amanhã será Mais Um Dia e uma pessoa muito especial, talvez Aquela Sua Pessoa, está bem aí ao lado, é tolo postergar as atitudes necessárias para que sua satisfação com ela seja finalmente concretizada, certo? É insensatez.
Isso parece conselho de autoajuda de segunda categoria, eu sei. Não é como se vir aqui dizer pra você aproveitar o tempo e viver sua vida com plenitude fosse como te estender o privilégio de uma dica inédita... E por ser algo tão genérico é ainda mais surpreendente que nos esqueçamos tanto dessa urgência, diga-se de passagem. Mas não se incomode, falo isso sobretudo para mim mesma. Estou reafirmando essa máxima especialmente pra mim: deixar o tempo passar é insensatez, Carolina.
Porque quando você menos espera tudo pode acabar, e quando vê você pôde ter apenas Um Dia, porque perdeu tempo demais vivendo um dia atrás do outro.

"VOCÊ PODE PASSAR A VIDA INTEIRA SEM PERCEBER QUE AQUILO QUE PROCURA ESTÁ BEM NA SUA FRENTE."

4 comentários:

  1. Ai, Carol, eu amo demais esse livro... Faz alguns anos que o li e ele virou favorito da vida, mas não tive coragem de relê-lo até agora porque é um tapa na cara atrás do outro. Me reconheço total na Emma. Quer dizer, até as escolhas de vida são semelhantes (se a gente considerar que antes de seguir pra o jornalismo eu fui professora infantil por anos, risos). Eu fiquei tão impactada com a leitura que o livro se gravou em minha memória e acho que não o relerei tão cedo porque não preciso, sabe? Já está ali. Curiosamente, li ele em um dia apenas, risos.

    Acho que o que acontece ali é uma falta de timing desgraçada. E é por isso que ele é tão maravilhoso, porque a vida não tem timing - a gente que força as coisas pra que elas saiam do lugar.

    O final dele é uma das coisas mais tristes que já li e não sei se tenho coragem de passar por ele novamente porque EMMA MERECIA MAIS!!!!

    Beijo!
    ;*

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    1. Embora o impulso imediato após o término da leitura seja querer começar o livro de novo (ele é tão desgraçadamente bom, afinal!), eu também tô longe de pensar em relê-lo tão cedo, porque quero evitar passar pelo desgraçadamente mental mais uma vez, sabe? Haha Quer dizer, ele me abalou MESMO, e chega a ser um livro pelo qual eu nutro uma espécie de temor (?). Tenho um pouquinho de medo de lê-lo de novo e ser atingida mais uma vez.
      Bem intenso, o negócio.

      "A vida não tem timing": SIIIIMMMM! O livro nos expõe isso de um jeito tão real e doloroso, porque é uma coisa óbvia mas todos nós gostamos de fingir que "tudo vai dar certo no final", mesmo sem nenhuma previdência. Se iludir assim é tão mais fácil...
      É por essas que Um Dia DÓI. =\

      Eu não sabia o que fazer no final. Entrei num modo de atordoamento automático em que eu ia lendo sem saber o que sentir, sabe?
      O QUE FOI AQUILO?
      Emma <\3

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  2. Tudo o que eu sofri quando li Um Dia, sofri de novo lendo seu post só de relembrá-lo
    EMMA MERECIA MAIS
    #justiceforemma

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    1. Minina, somos duas, então, porque eu pensei que não conseguiria escrever esse texto.
      Tu tinha que me ver lendo o livro. Foi um chororô interno com desespero e vontade de morrer. Desamparo emocional total.
      Sério, COMO, C.O.M.O LIDAR COM AQUELE FINAL? Vou morrer sem ter encontrado essa resposta...

      #TodasPorEmma <\3

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