20/08/2018

Sobre a Escrita

Do Stephen King
Sobre a Escrita é um livro em que o King se propôs a dividir conosco, de forma dinâmica, simples e didática, lições fundamentais sobre o universo da literatura que ele tem adquirido durante seus longos anos como escritor (antes mesmo de ter algum renome), direcionando seu discurso especialmente àqueles entre nós que se sentem inclinados a desenvolver a própria escrita e, com sorte, uma carreira literária.
Mas embora esse seja um livro voltado especialmente a escritores em construção, a obra é muito convidativa para quase qualquer fã do King, já que ele fala muito sobre si, ao melhor estilo autobiográfico, revisitando vivências e acontecimentos pelos quais passou desde a infância, o que nos permite ver que tipo de experiências construíram e sedimentaram o escritor que ele é hoje.
Gosto muito de ler introduções/conclusões escritas pelo/a próprio/a autor/a em seus livros, porque elas nos permitem mergulhar sem filtros na cabeça de quem cria histórias e enredos tão cativantes (se estivermos falando de nossos escritores favoritos, pelo menos), sem o obstáculo de um personagem ou trama a desenvolver. Por algumas breves páginas, podemos adentrar sem barreiras na mente desses artistas admirados, e é sempre uma experiência proveitosa e gratificante. Fiz isso algumas vezes em outras obras do King, com introduções ou conclusões mais prolixas, e foram leituras muito divertidas que fiz questão de aproveitar até a última linha, porque o humor ácido dele é ótimo. 
Esse livro aqui é como uma versão estendida dessas conversas – conversas, sim – com o escritor. Divagamos, devaneamos, xingamos, quase choramos e rimos muito, como sempre.
Mas devo fazer um adendo explicitando que apesar de ser uma leitura prazerosa pra quase (o quase do segundo parágrafo reincide) qualquer um que goste da maneira com que King concatena palavras, uma atrás da outra (tentei achar a entrevista em que ele responde à pergunta ''como você escreve?'' com a sucinta frase ''uma palavra atrás da outra'', mas não achei), falando conosco em sua disposição usual, esse livro é sim, sobretudo, para quem se interessa pela arte da escrita em si (óbvio)... Embora eu possa acrescentar que o senso de humor irônico dele é tão delicioso que mesmo uma página inteira discorrendo sobre holística fica divertida.
A escrita é algo importante para você? A capacidade de se expressar de maneira clara e refinada através das palavras é algo que te preocupa? Você já ficou se debatendo com questões que giravam em torno da sua habilidade com papel, caneta e linhas? Ponderações dessa natureza já tiraram o seu sono à noite?
Durante muito tempo essas foram Grandes Questões na minha vida. Eu me perguntava quão boa ou ruim era escrevendo e esses questionamentos realmente me atormentavam - de um jeito mais necessário que perturbador, devo dizer. Que nota minhas redações mereceriam no vestibular da escrita? (Apesar de ser uma heresia reduzir essa manifestação artística a algo tacanho como uma mísera prova, claro.)
Essas perguntas não têm respostas mais satisfatórias agora em comparação ao momento em que começaram a me ocorrer (lá pela nona série). Minha escrita ainda é raiz de vários questionamentos e pouquíssimas certezas. Ainda não me satisfiz com ela, longe disso, e não sei se algum dia esse contentamento absoluto chegará. Talvez seja melhor que não chegue, pois poderia ser engessante.
Não quero incomodar você com minhas questões pessoais, mas achei necessário desenvolver porcamente esse parágrafo pra pontuar uma coisa essencial nessa resenha: a escrita é algo importante pra mim. Muito importante. Então eu faço parte do público alvo desse livro, que é antes pessoas apaixonadas pelas palavras e que as levam a sério do que escritores iniciantes.
Não penso em virar uma autora publicada, embora queira vivenciar a experiência de escrever um livro, que deve render um aprendizado incomparável, por pior que seja o resultado. Ter um canto, um lugar no qual despejar as palavras, por mim mesma, é tudo de que preciso - por hora. No momento, esse lugar é o blog. 
Então você não precisa estar planejando dominar as estantes do Brasil e do mundo ou ganhar o nobel de literatura. Gostar de escrever num blog ou numa agenda surrada que ninguém mais lê é outro indicativo de que esse livro também é pra você. ;)
Mas se quisermos elevar o patamar e você realmente queira fazer dos escritos seu ganha pão, entre essas páginas há dicas bem práticas de como se inserir no mercado editorial, conseguir um agente, estruturar parágrafos compreensíveis e se preocupar com a história (na ficção, principalmente) que você quer contar, antes de qualquer simbolismo ou lição de moral. Além de um franco incentivo a continuar, mesmo que não dê pra comprar uma lamborghini com o dinheiro que você conseguiu vendendo aquele conto de gaveta pra uma revista de segunda e a pilha de boletos esteja aumentando. 
Estamos aqui pelo amor à literatura, afinal, e não pela grana (certo?).
Vale constar que apesar de nosso locutor ser O Stephen King, muitas dicas aqui (especialmente aquelas que não dizem respeito a mecanismos básicos do mercado editorial) são questão de gosto e predileção pessoal. Nessa arte, como em todos os outros âmbitos da vida, pode haver coisas bem erradas e bem certas (pontuação, ortografia, Fifty Shades e Isabel Allende são só alguns exemplos, cof cof...), mas a subjetividade dificilmente é anulada. Então, por mais que eu aplauda o Stephen King, não digo que devemos tomar todas as linhas aqui como verdades absolutas. 
Claro que você não precisa seguir todas as regras à risca, e nem ele demanda isso – embora sugestione.
Eu, por exemplo, não vejo tanto mal assim nos advérbios (com limites, acho até bonitinhos), embora torça um pouco o nariz para a voz passiva; essas são duas coisas que o escritor condena sumariamente, mas não acho que alguém deva se martirizar por isso.
Apesar de achar todas as dicas que ele compartilha aqui de muito bom tom, não é preciso mandar a criticidade ao léu e esquecer que S.K., mesmo sendo S.K., não foi o inventor da literatura, afinal - nenhum de nós foi; ela existe por si mesma.
Além de todos os ensinamentos literários, King nos entrega um livro bem intimista e até comovente, em alguns trechos. Ele fala da infância árida, do belo casamento que tem com a escritora Thabita King, do terrível vício químico, de família, de arte como um todo e outras coisas mais, culminando no fatídico acidente de 1999 (depois dA Torre Negra e sua metalinguagem, nunca esquecerei a data anual – como ele queria que fosse, claro), quando foi atropelado e ficou a centímetros (literais e figurados) da morte.
Se ele tivesse partido dessa para uma melhor (vale constar que ele não critica eufemismos em seu manual deliberadamente informal…), eu não estaria aqui digitando essa resenha, pois o acidente ocorreu durante o processo de escrita de Sobre a Escrita - o que, em circunstâncias fatais, provavelmente teria condenado o livro (não digo ''certamente'' porque sempre há a chance de uma publicação póstuma).
Enquanto seu autor jazia atirado, quebrado e ensanguentado numa rua do Maine, flertando com o além, o manuscrito inacabado desse livro descansava recém tocado em sua escrivaninha.
Se isso não te deixa com mais vontade de lê-lo (vamos lá, sejamos românticos, deixa o ceticismo de lado um pouquinho comigo e vamos nos permitir acreditar em Destino, pelo menos uma vez na vida), vou encolher os ombros com resignação e achar uma pena.
Eu gostei muito desse livro e ele foi um companheiro fiel que levarei para a vida – a vida escrita, mas não somente. A leitura passou voando. Talvez não seja a melhor obra sobre o tema, mas certamente é uma das mais espirituosas e engraçadas.
E se não te convenci até aqui e a tarefa de ler essas (pouquíssimas, devo dizer) duzentas e poucas páginas sobre a arte de escrever te parece dispendiosa demais, podemos resumir a principal mensagem de King sobre a escrita aqui mesmo: divirta-se. Escreva por diversão, por amor, porque é maravilhoso e porque te faz feliz, se te faz feliz. É tudo o que importa.
Não posso dizer que é ‘'King em sua melhor forma’' porque sua melhor forma é aquela que vemos em quase todos os seus livros, a boa e velha ficção do horror, que até agora tem me feito sentir muito. Sobre a Escrita é um filho único em sua estante, um caso à parte, um destaque em sua exceção. 
Então faço melhor do que isso: digo que é King, apenas. Sinceramente. E isso basta.

''O TRABALHO PODE TER PAGADO A HIPOTECA DA CASA E GARANTIDO A UNIVERSIDADE PARA MEUS FILHOS, MAS ISSO TUDO É CONSEQUÊNCIA - SEMPRE ESCREVI POR PAIXÃO. PELA ALEGRIA SINCERA QUE A ESCRITA ME DÁ. E, SE VOCÊ CONSEGUE ESCREVER PORQUE SENTE ALEGRIA, VAI ESCREVER PARA SEMPRE.''

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