Do Oliver Sacks
Pense numa senhora que acorda no meio da noite ouvindo uma sinfonia em sua cabeça, sem que nenhum rádio estivesse ligado por perto; em dois gêmeos com retardo mental que têm uma impressionante habilidade matemática, capazes de determinar o dia exato da semana em que cairá qualquer data num futuro imensamente distante; em um homem que não reconhece a própria perna como parte de seu corpo, julgando-na um membro estranho, e seguidamente cai da cama tentando jogar aquele pedaço de carne ''cadavérico'' para longe de si quando acorda assustado no meio da noite; pense em um senhor que, vítima de uma falha aguda na memória, cria compulsivamente histórias e personalidades ilusórias e inventivas para todos que o cercam, por não conseguir reter suas identidades reais na mente nem por cinco minutos; em uma mulher que perdeu seu sentido de propriocepção (o sexto sentido nada metafísico que todos temos - ou deveríamos - e que determina a percepção que temos sobre nosso próprio corpo) e não consegue mais se localizar como presença física no espaço, caindo e se movendo descoordenadamente, tendo que reaprender a controlar os próprios movimentos como uma criança recém nascida, uma vez que suas funções motoras mais básicas foram deterioradas; e, é claro, pense num senhor vítima de uma interessantíssima agnosia visual (a incapacidade de identificar objetos e figuras variadas por meio dos sentidos), que não reconhece o rosto de familiares em fotos, o próprio rosto no espelho, seu sapato no chão e que até chega a confundir a cabeça de sua esposa com um chapéu.Esses e muitos outros casos extraordinários são destrinchados pelo neurologista Oliver Sacks num dos livros mais interessantes que li na vida, e já um favorito absoluto.
Sacks brinca dizendo que é um cientista romântico, aquele que consegue analisar objetivamente dados e elementos apresentados a ele por meio de seus estudos e através de seus pacientes, mas que também se recusa a dissociá-los dos apaixonantes e refinados fluxos primitivos de vida que os perpassam. Ele é um apaixonado pelas reminiscências da existência e da mente, e olha para seus pacientes com olhos tão encantados quanto concisos. Sacks vê a a química de tudo nos sentidos concreto e figurado.
Por ter essa visão diferenciada sobre os casos que cruzam seu caminho é que podemos ter em mãos um livro tão maravilhoso quanto esse, de um médico sensível (e que coisa importante - e já excepcional - é a sensibilidade pura e simples) que se preocupa em conhecer a história dos doentes que chegam a ele tanto quanto seus sintomas.
Esse é um livro que recomendo mesmo para quem não nutre qualquer interesse pelas ciências médicas (embora seja um pouco de divulgação científica, leitores leigos, como eu, conseguem acompanhá-lo sem nenhum entrave), porque ele se mantém instigante especialmente por nos expor a realidades e percepções de vida tão atípicas e fenomenais.
Dividido em quatro partes, Perdas; Excessos; Transportes e O Mundo dos Simples, a maior parte do livro fala sobre disfunções bizarras que acometem e vitimizam pessoas afetando seus sistemas neurais de maneiras muitas vezes inexplicadas pela medicina moderna.
Em Perdas temos pacientes que não reconhecem mais o próprio corpo sensitivamente, que vivem com membros perdidos e inalcançáveis. Em Excessos conhecemos pessoas múltiplas, com várias personalidades dentro de uma, e que sentem uma perna, um braço que não está lá. Em Transportes há quem se desconecta de si e se sente em outro corpo, outra órbita, no espaço intermediário entre Perdas e Excessos. N'O Mundo dos Simples, por fim, Sacks nos mostra histórias de vários pacientes com retardo mental e outros déficits, mas que desenvolveram habilidades incríveis ou se adaptaram ao mundo ordinário que dominam de formas belíssimas, com uma percepção tão refinada para o comum que o torna extraordinário.
Em Perdas temos pacientes que não reconhecem mais o próprio corpo sensitivamente, que vivem com membros perdidos e inalcançáveis. Em Excessos conhecemos pessoas múltiplas, com várias personalidades dentro de uma, e que sentem uma perna, um braço que não está lá. Em Transportes há quem se desconecta de si e se sente em outro corpo, outra órbita, no espaço intermediário entre Perdas e Excessos. N'O Mundo dos Simples, por fim, Sacks nos mostra histórias de vários pacientes com retardo mental e outros déficits, mas que desenvolveram habilidades incríveis ou se adaptaram ao mundo ordinário que dominam de formas belíssimas, com uma percepção tão refinada para o comum que o torna extraordinário.
Embora eu tenha levado o livro pra casa especialmente instigado pelas anomalias psicológicas que beiram o grotesco (desculpa pela curiosidade mórbida), o capítulo que mais me comoveu foi sobre Rebecca, uma moça com retardo mental que frequentava um asilo em que Sacks trabalhava. A forma com que ele descreve a visão de mundo particular e singela que percebeu em Rebecca, sentada sorrindo eufórica com a beleza das flores e do vento, é muito tocante.
''Nossos testes, nossas técnicas, pensei, enquanto a observava sentada no banco - apreciando uma visão da natureza não apenas simples, mas sagrada -, nossas técnicas, nossas 'avaliações', são ridiculamente inadequados. Só nos mostram déficits, não capacidades; mostram apenas problemas para resolver e esquemas, quando precisamos ver música, narrativa, brincadeira, um ser conduzindo-se espontaneamente em seu próprio modo natural.''
Sacks é um apaixonado, eu repito. A sensibilidade e empatia com que ele discorre sobre essas narrativas que não são suas são de encantar qualquer um. Ele não é um Augusto Cury inebriado romanceando a vida melodramaticamente (desculpa, mas achei O Futuro da Humanidade tão ruim que chegou a ser traumático) como quem fumou dois cogumelos no café. Sacks consegue o equilíbrio perfeito entre objetividade científica e subjetividade existencial, entre racional e emocional. Ele é um homem imensamente culto que aborda ideias (e não apenas citações) de filósofos, músicos de jazz e cientistas renomados numa mesma página, com uma coesão e domínio perfeitamente naturais.
É um livro para muitos, porque fala sobre pessoas e isso todos somos. Mas, claro, é especialmente para quem se interessa por medicina e principalmente neurologia.
Cada página me fascinou. Foi uma leitura que me lembrou por que eu quero essa profissão e que inflamou em mim novamente a paixão por essa ciência. É indispensável pra quem se vê usando um jaleco branco, se me permite dizer. Ele trás uma abordagem muito humanista da medicina, e ao passo que é lindo observar isso, também é um tanto preocupante ressaltar essa singularidade quando a conversa trata de uma profissão que deveria manifestar empatia de maneira intrínseca, sem exceções. A humanidade com que Sacks trata seus pacientes deveria ser premissa básica na hora de validar a formação de qualquer médico.
Mas como, num futuro próximo, a sensibilidade profissional parece estar longe de ser uma prioridade, fica a recomendação desse livro incrível que te apresentará não apenas a casos médicos, pacientes e a uma escrita excepcionais, mas também ao ser humano admirável que é Oliver Sacks.
''MEU TRABALHO, MINHA VIDA ESTÃO VOLTADOS TOTALMENTE PARA OS DOENTES - MAS OS DOENTES E SUAS DOENÇAS CONDUZEM-ME A REFLEXÕES QUE, DE OUTRO MODO, TALVEZ NÃO ME OCORRESSEM. TANTO ASSIM QUE ME VEJO COMPELIDO A INDAGAR, COMO NIETZSCHE: 'QUANTO À DOENÇA: NÃO SOMOS QUASE TENTADOS A PERGUNTAR SE CONSEGUIRÍAMOS PASSAR SEM ELA?' - E A VER AS QUESTÕES QUE ELA SUSCITA COMO SENDO DE UMA NATUREZA FUNDAMENTAL. INVARIAVELMENTE MEUS PACIENTES LEVAM-ME A QUESTIONAR, E INVARIAVELMENTE MINHAS QUESTÕES LEVAM AOS PACIENTES; ASSIM, NAS HISTÓRIAS OU ESTUDOS A SEGUIR, EXISTE UM MOVIMENTO CONTÍNUO DE UM PARA OUTRO.''
Interessantíssimo!
ResponderExcluirGK
Olá de novo, Gugu K.!
ExcluirÉ um livro FASCINANTE. Sem dúvida um dos melhores do ano - e da vida.
Faz muiiiito tempo que esse livro tá na minha lista de "quero ler" do skoob e não encontro em nenhuma biblioteca por aqui :(
ResponderExcluirTô indo ai pro Sul! hahaha <3
Limonada (antigo Novembro Inconstante)
Ele também não é dos mais fáceis de encontrar por aqui! Soube dele em Bilhões e Bilhões, do Sagan, e fiquei de olho por um tempão, então quase tive UM TRECO quando o vi na estante da biblio.
ExcluirVEM, te hospedo (traga Paçoca, vou apresentá-la aos meus dogs).
Nossa, é espantoso pensar em todos esses casos! Parece coisa de ficção.
ResponderExcluirTem uns bastante surreais. Os das pessoas que não conseguiam reconhecer as partes do próprio corpo como seus membros integrais me assombravam; que coisa perturbadora. Os casos da seção Transportes são BEM tensos, mas o livro todo é fascinante. ;)
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