26/03/2019

A Incendiária

Do Stephen King
Ficção científica e um Stephen King das antigas, é o que temos aqui.
Andy estava sem dinheiro na faculdade e topou passar por um teste aparentemente inocente de fármacos em que ele tinha 50% de chances de receber um placebo, sem saber que na verdade tudo era um experimento secreto realizado pela Oficina, uma organização científica gananciosa sem nenhum compromisso com o bem estar da população, com idealizadores que visavam ascensão e status sem hesitar em passar por cima de qualquer direito humano básico. Anos depois do ocorrido e agora portador de um poder perturbador que lhe permite dominar mentalmente outras pessoas, acarretando inúmeras sequelas físicas, sua única preocupação é conseguir fugir da Oficina com Charlie, a filha que teve com a esposa assassinada pela organização demoníaca, também uma sobrevivente do experimento, e que é uma espécie de híbrida que carrega o ''cromossomo sobrenatural'' intrinsecamente, por herança genética, diferentemente de seus pais, que só incorporaram as alterações fisiológicas do lote 6 depois do experimento.
Charlie é uma mutante puro-sangue e, portanto, uma sobre-humana muito interessante para as pesquisas e fins da terrível organização. E qual é o poder dela? Bom, o título já deixa evidente: Charlie é pirocinética, tem a incrível e aterradora capacidade de atear fogo no que quiser só com o poder da mente.
Nas quatrocentas e poucas páginas do romance, fazemos companhia a ela e ao pai em sua fuga e nos embates que travam contra a Oficina, passando por situações inimagináveis para uma criança de 8 anos.
Esse livro tem um estilo bem King em seus primórdios, em sua forma mais clássica e old school, como verificamos em Carrie e O Iluminado, por exemplo. Um jeito de escrever que se eu fosse associar a um jeito de fazer música diria que é uma escrita de garagem (analogia ótima, Carolina, meus mais sinceros parabéns pelo fiasco). Li numa edição bem antiga com aquela diagramação de ''livro velho'' que eu adoro, então tudo favoreceu a ideia de que eu estava visitando uma escrita menos recente, de início de carreira, como de fato é: A Incendiária é o sexto livro de King, publicado em 1980, apenas seis anos depois de seu primeiro livro.
Outra percepção que esse livro reforça é o apego do autor a crianças sobrenaturais como núcleo narrativo, como as que vemos nos dois outros livros supracitados. Eu amo esse tipo de plot; é bem interessante (e foge da regra Marvel e DC de como contar histórias de heróis, risos) ver como esses poderes se desdobram em personalidades em formação, diferentemente de como ocorre com adultos de caráter já calejado por todas as influências e malefícios possíveis. E crianças também são uns amores por si só.
Os dois protagonistas são muito cativantes. Andy é um amor de pai e pessoa, e Charlie é uma menininha muito sagaz e geniosa que chega a nos deixar até com um orgulhinho bobo diante de cada decisão acertada sua. Apesar da diagramação pouco prática do livro e da falta de tempo, eu não tive muitos entraves ao imergir na história, e a leitura foi fluída, sim. Amei acompanhar esses dois.
Porém, o livro sofre sim uma queda no ritmo no meio da história (quando o cenário passa a ser monotemático, graças ao destino dos personagens), que eu reconheço que pode ter afetado ou vir a afetar muito outras pessoas, dependendo da recepção de cada um ao estilo da narrativa. (Esse parágrafo foi um implícito ''recomendo, mas fique por sua conta e risco''.)
Outra coisa legal é a abordagem psicológica que King faz em cima da condição de Charlie: a menina tem um poder que SÓ acarreta destruição. Ela não voa, fica invisível ou tem ultravelocidade; em vez disso, ela TOCA FOGO em coisas. O poder dela nunca se manifesta de forma inofensiva, sempre ocorre a carbonização ou destruição completa de um objeto (aqui incluo seres vivos) receptor de toda aquela força. Por isso, os pais a criaram envolta numa redoma de cuidados paranoicos e medo, até terror psicológico, infligido, tudo para evitar ''acidentes''. Essa tensão contínua que perpassou todo o desenvolvimento da criança bugou a cabeça dela completamente e fez com que Charlie ficasse extremamente perturbada e amedrontada, sem ter a chance de aprender a controlar seu poder através de outro gatilho de contensão que não fosse o medo paralisante. A forma como o autor desenvolve e aborda isso e a progressão da personagem em si através desse ponto são bem interessantes.
Achei que há um pouco de anticlímax no final de A Incendiária, mas talvez eu só não tenha conseguido aproveitar bem o estopim de tudo. Porém, o desfecho é muito bem amarrado, todos os nossos personagens têm suas trajetórias concluídas sem pontas soltas... Às vezes de um jeito que nos deixa com uma vontadinha de chorar, mas tudo bem.
Não é impecável, mas foi uma ficção científica que eu gostei de aproveitar e adicionar à lista de bons livros lidos. Recomendo para apreciadores do gênero e principalmente, como sempre, para fãs do Stephen King.

''BEM, ALGUMAS COISAS SÃO MAIORES DO QUE NÓS DOIS, E OUTRAS COISAS SÃO MAIORES DO QUE TODOS NÓS.''

Agora, falando especialmente com quem já leu o livro: eu não tenho dúvidas de que o autor escreve por prazer e não é completamente norteado por interesses econômicos, mas vou ficar pra sempre ponderando ridiculamente sobre a quantidade de zeros após os algarismos iniciais na quantia que ele recebeu de patrocínio de uma certa revista aí por aquele parágrafo final. ;) Bitch I wish.

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