25/02/2017

Bel-Ami

Guy de Maupassant
Era o último livro que eu tinha pra ler da coleção Grandes Sucessos (aquela que eu meio que roubei de estantes abandonadas e blablabla) e vou sentir falta de saber que ‘’tem uma fileira de exemplares clássicos pra você ler, Carolina’’, porque agora já tá tudo lido (a não ser que eu roube mais de outro lugar, hihihi). Mas será que fechou com chave de ouro?
Bel-Ami trás na última capa aquela resenha básica que habitualmente aparece em quase todos os exemplares livrísticos (o corretor nunca aceita essa palavra mas ela PRECISA EXISTIR E DANE-SE), e nela tive a impressão de estar prestes a encontrar um Charlie Harper (ou Charlie Sheen mesmo; o ator era tão doido quanto o personagem) do século XIX, extremamente versado na conquista (mesmo a meia boca que se baseia em atração física e status, basicamente), que consegue todas as mulheres que quer e que usa e abusa delas como bem entende. Até a capa representa ele cortejando uma moça, enquanto são observados por uma fileira de outras mulheres. Um lobo desvairado nas ruas parisienses, em suma. Mas não foi bem isso o que encontrei.
Essas capinhas de ares meio vintage <3
Georges Duroy, chamado de Bel-Ami (só um apelido que pegou), tem sua dose de cretinice, só que ele não se assemelha tanto a esses galãs cafajestes estereotipados que a gente vê na TV hoje em dia porque todas as suas tramas são desenvolvidas com muita sutileza. Digamos que ele não sai pra beber com os amigos no sábado à noite se gabando de quantas mulheres ‘’pegou’’ durante a semana, entendem? A coisa toda se desenrola por baixo dos panos, só bel-ami sabe de suas reais intenções e conhece os entrames de suas estratégias. Mais ninguém, nunca.
Aos olhos alheios, ele é um moço super respeitoso e direito, responsável e bem intencionado, que passa longe de qualquer suspeita.
Acontece que essa minha síntese acima, sobre sua personalidade, também passa uma imagem um pouco distorcida do que de fato vemos no livro. Bel-Ami não é nenhum gênio dentro das relações sociais, nenhum especialista em enganadas que sempre garante o resultado dos próprios planos; ele é muitas vezes ingênuo e inseguro, como um meninão bobo que não sabe bem como proceder pra se sair bem, mas sempre resolve apostar. Ele de fato consegue subir de nível em status e projeção profissional, através dos próprios meios, mas o livro deixa claro que isso poderia muito bem não ter acontecido; são golpes de sorte.
Mas enfim, me limitando a isso nas descrições sobre o personagem, posso dizer que, embora ele seja, rudemente falando, um bosta, o autor demonstrou uma habilidade incrível ao construí-lo e encaixá-lo em seu contexto, de maneira que fica fácil fluir na leitura e passar pelas trezentas e poucas páginas sem nem perceber. A coisa é fluída, leve, até mesmo agradável, a despeito da cretinice do Georges. Porque o escritor é bom. O livro todo poderia ficar bem odioso, mas Guy (vou chamar de Guy, como se fossemos íntimos, porque deuzolivre ter que escrever aquele sobrenome do mal de novo) conseguiu escrever um livro bom com um personagem bem cretino, e tem mérito por isso.
Gostei do livro, especialmente do final, porque ele passa uma mensagem. Tem uns diálogos bons e umas reflexões filosóficas de um velhinho, em certo ponto, que tive que grifar. O desfecho não é dos mais louváveis e certamente não demonstra uma justiça implícita à vida, mas a mensagem não precisa ser essa porque a vida não é sempre essa.
E que mensagem é essa? Claro que não vou dar de bandeja...mas digamos que, às vezes, as pessoas cretinas são as que se dão mesmo bem no final.

Uma citação (não resume o livro de maneira geral, mas gostei e resolvi deixar aqui):

''UM TERROR CONFUSO, IMENSO, ESMAGADOR, PESAVA SOBRE A ALMA DE DUROY: O TERROR DO NADA ILIMITADO, INEVITÁVEL, DESTRUINDO INDEFINIDAMENTE TODAS AS EXISTÊNCIAS TÃO RÁPIDAS E MISERÁVEIS. JÁ CURVAVA A SUA FONTE, SOB A AMEAÇA. PENSAVA NAS MOSCAS QUE VIVEM ALGUMAS HORAS, NOS ANIMAIS QUE VIVEM ALGUNS DIAS, NOS HOMENS QUE VIVEM ALGUNS ANOS, NAS TERRAS QUE VIVEM ALGUNS SÉCULOS. QUE DIFERENÇA HÁ, ENTÃO, ENTRE UNS E OUTROS? ALGUMAS AURORAS A MAIS, EIS TUDO.''

4 comentários:

  1. Já me deparei com esse livro há uns três anos por indicação de uma pessoa, mas não cheguei a pegar pra ler. Vale a leitura?

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    1. Então, eu sempre tenho um pouco de receio ao fazer esse tipo de recomendação porque vai que nossos gostos são muito diferentes e eu te indico a pior leitura da tua vida? Haha
      Mas gostei, sim, como dito; especialmente do final, que não é clichê mas que certamente deve ser visto por muitos como meio decepcionante...mas não sou parte desse "muitos".
      Achei, de modo geral, bem fluído, então mesmo que tu arrisque ler e não goste, acho que posso garantir que não vai ser nada muito dispendioso ou tempo perdido em uma leitura extremamente maçante.
      Então, bom, acho que vale arriscar, mas eu não teria a pretensão de te garantir nada de antemão, entende?
      ;)

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    2. Vou seguir a tua recomendação, então. Mas o que me diz do comportamento do protagonista? Você o apoia ou, em algum ponto do livro, "torce" por ele?

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    3. É uma boa pergunta, me deparei com ela diversas vezes no decorrer da leitura. Mas não, acho que não torci por ele, não. Embora o autor consiga nos fazer envolver com o personagem, de modo a querer nos fazer simpatizar com ele em alguns momentos, eu não esqueci das cretinices. Mas também não odiei o cara...nem amei. Fiquei como uma expectadora distante da coisa toda, sem lamentar ou comemorar o fim do protagonista. Eu tive que rir, meio irônica, ao ler o final, na verdade. ;)

      [Hey, apenas não crie grandes expectativas com meus comentários, ok? Finja que desconhece eles. Perdi a conta de leituras frustradas por expectativas criadas previamente.]

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